Painelistas explicam influência da economia mundial na crise industrial brasileira
O painel, mediado por Flávio Stein, vice-presidente de economia da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha (ACI), teve início com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Ele fez um recorte da relação entre China e Estados Unidos desde a década de 1980, destacando o contraste entre a rápida industrialização do país asiático e processo inverso a que se submeteu a economia americana, a partir da dominância dos movimentos de capitais sobre o comércio. Segundo ele, isso se deve à alteração do destino de capital dos Estados Unidos, como ocorria nos anos 1980, para a China, em um movimento iniciado no final dos anos 1990.
Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Belluzzo defendeu o fortalecimento da indústria para o crescimento econômico do país. “Alguns economistas dizem que a indústria não é importante. Só que o comércio mundial mostra que isso não é verdade. O grosso da economia deve-se às manufaturas”, afirmou. O economista atribui a diminuição da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano e de países da União Europeia também à concentração da especialização em serviços, em detrimento do setor secundário. “Nos Estados Unidos, grande parte das pessoas perdeu seus empregos devido a fábricas abandonadas e dilapidadas. O próprio Donald Trump mantém sua base eleitoral porque exprime um evento que permanece, não é baseado em manifestações sociais”, apontou.
No Brasil, o salto das commodities, puxado pelo consumo americano e o investimento global no mercado chinês durante a segunda metade da década passada, proporcionou, na sua visão, um ambiente favorável para o crescimento do PIB. “O país chegou a se aproximar dos países mais industrializados, mas perdeu muita participação e competitividade no cenário internacional, e a queda foi bastante pronunciada”, analisou. Belluzzo lembrou que, na década de 1980, o país chegou a ser uma potência industrial superior a China e Coreia do Sul.
Entre 1994 e 1999, contudo, recorrentes choques sofridos pela economia devido a crises internacionais ocasionaram elevações na taxa de juros, com alteração cambial que impedisse a desvalorização da moeda, em plena implantação do Plano Real. “Valorização cambial é muito agradável quando está ocorrendo, mas desfavorece a produção industrial nacional. A indústria brasileira acabou fortemente penalizada, justamente no período de industrialização chinesa. Quando houve a benesse das commodities, o investimento estrangeiro direto explodiu”, explicou. Com isso e devido ao choque de demanda, ele apontou que o Brasil conseguiu manter a balança comercial de produtos manufaturados superavitária mesmo durante a crise, com exportação para diversos países. “Hoje, temos um déficit muito importante na balança, que tem a ver com a perda de competitividade”, completou.
Belluzzo concluiu sua fala indicando o que chamou de “terremoto” na economia internacional, o que alterou o cenário brasileiro. “O espaço para os países realizarem suas políticas nacionais de desenvolvimento foi transformado devido à globalização. A China se ajustou a esse processo e conseguiu implementar suas políticas. Os Estados Unidos tiveram papel importante em fornecer à China a possibilidade de desenvolver sua indústria. Hoje, os chineses lideram todos os setores de exportação de manufaturados. Não à toa os Estados Unidos agora estão com uma política de reação, embora o desejável fosse redefinir as relações internacionais e financeiras”, diagnosticou. Questionado sobre o baixo crescimento do PIB brasileiro nos últimos anos, ele descreveu como um fenômeno natural. “A economia veio desacelerando. O preço das commodities saiu do pico, mas, na verdade, se ajeitou. Trata-se de uma desaceleração cíclica causada pelo aumento do consumo e do endividamento das famílias”, finalizou.
Quem também abordou a temática foi o coordenador-adjunto do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Faccat, Carlos Paiva. “O mundo vive a crise da hegemonia americana no plano produtivo. Produtivamente, o motor do mundo hoje é a China, e isso tem um impacto muito grande para nós”, destacou. O professor lembrou que a economia brasileira é historicamente baseada na agricultura. “Só nos industrializamos quando o café não conseguia mais comprar os produtos de que precisávamos. O Brasil é o único país do mundo que consegue ter três safras de verão no ano. No que somos mais competitivos é na agroindústria. Somos vistos como o ‘fazendão’ do mundo”, ilustrou.
Ele explicou que, como a China carece de alimentos, o Brasil passou a ser demandado pela maior economia industrial do mundo. “O país apresenta um superavit monstruoso com a China, ganhando caixa para que nos tornemos confiáveis novamente no mercado internacional”, acrescentou. Paiva também falou sobre como a flutuação do câmbio e a variação inflacionária influenciam na rentabilidade da indústria exportadora. “Quando o governo sobe a taxa de juros para conter a inflação, os fundos internacionais passam a aplicar no Brasil, invadindo o país de dólares. Com mais oferta do que demanda, o preço cai”, pontuou.
O pesquisador contou que essa sequência de eventos acabou acarretando o fechamento de diversas empresas exportadoras, uma vez que a queda do dólar representava a diminuição do lucro obtido com a comercialização do produto fora do Brasil, o que é difícil contornar em indústrias com muitos empregados. “Quanto maior mão de obra, mais difícil é concorrer com China e Vietnã. E qual indústria é mais intensiva em mão de obra? A de calçados. A política que sustenta o agronegócio penaliza a indústria calçadista. Em Novo Hamburgo, verificamos a diminuição da população empregada na indústria calçadista, mas o aumento da mão de obra em indústrias de base. E é nisso que acredito que a cidade deva focar”, sinalizou.
Inserção em cadeias de valor
Já a superintendente da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Ilse Guimarães, aponta na inserção das empresas hamburguenses nas cadeias globais de valor como o melhor caminho. De acordo com Ilse, estudos mostram que empresas manufatureiras recebem hoje apenas 2% do total do valor do produto.
“A cadeia de valor é uma linha que vai desde a criação de um produto até a entrega ao consumidor, realizada por uma rede global de empresas. A diferença pra cadeira de suplementos é que agora se inserem serviços intangíveis, que agregam valor, como branding, design, marketing e distribuição. Esse é o mais importante movimento dos últimos 20 anos em comércio internacional. E, em Novo Hamburgo, existe uma concentração de recursos que pode agregar valor ao produto final”, afirmou. As vantagens, segundo ela, incluem desde o acesso a outros mercados até a oportunidade de melhoria dos processos produtivos a partir do contato com novas tecnologias.
O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, Marcus Coester, destacou os serviços prestados pela entidade e colocou a associação à disposição dos empreendedores que procurarem cooperação com indústrias do país europeu. Ele destacou que, historicamente, essa sempre foi uma relação bem-sucedida, e apontou os aspectos nos quais o Brasil pode se inspirar na Alemanha para um processo de industrialização semelhante. “O desenvolvimento econômico, o conhecimento e a qualidade de vida são indissociáveis. Temos que pensar sempre que educar nas áreas técnicas é importante. A sociedade tem que entender essa situação e criar mecanismos para isso. Temos que ter olhos para a tecnologia e para o empreendedorismo. Outra questão importante do poder público é a burocracia, que é um grande empecilho para o empreendedorismo. A simplificação dos processos é fundamental”, concluiu.
O presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Câmara, Professor Issur Koch (PP), concordou com a posição de Coester. “Nossa cultura muito pouco prega o empreendedorismo”, lamentou. Além do vereador, também acompanharam o painel o presidente da Câmara, Felipe Kuhn Braun (PDT), o presidente da Cofin, Enio Brizola (PT), e os parlamentares Cristiano Coller (Rede) e Patricia Beck (PPS).
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Seminário debate desenvolvimento econômico em Novo Hamburgo
Apresentação de Políticas Públicas abre Seminário de Desenvolvimento Econômico
Seminário
O Seminário de Desenvolvimento Econômico de Novo Hamburgo: uma pauta necessária, estratégica e de todos conta com a promoção da Abicalçados, ACI, Assintecal, Consinos, IBTeC, IENH, IFSul, Fundação Liberato, Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo e Sebrae. Apoiam a iniciativa o Instituto Liberato e a Universidade Feevale. O evento é realizado pela Câmara Municipal de Novo Hamburgo, por meio da Escola do Legislativo e da Comissão de Competitividade, Economia, Finanças, Orçamento e Planejamento.