Legislativo autoriza criação de empresa pública para suceder a Fundação de Saúde
Conforme o Projeto de Lei Complementar nº 6/2019, a nova empresa pública, de personalidade jurídica de direito privado, se constituirá como entidade da administração indireta do Município, vinculada à Secretaria de Saúde (SMS), mas com autonomia financeira e administrativa. A alteração, cuja ideia foi apresentada aos cidadãos em audiência pública no dia 20 de março e aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde, é justificada pelo Executivo como forma de manter ativos os serviços da rede municipal de saúde e garantir segurança jurídica para funcionários, fornecedores e prestadores de serviços. A matéria sustenta a manutenção dos vínculos empregatícios vigentes.
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O órgão máximo para deliberação dos atos do Instituto será a Assembleia Geral, composta pelo Município, enquanto ente público controlador, e realizada ordinariamente uma vez por ano. A empresa será formada por Conselho de Administração (seis membros indicados pela Prefeitura e um pelos funcionários), Diretoria Executiva (diretor-geral e diretores administrativo-financeiro, de Gestão Hospitalar e de Gestão Ambulatorial, escolhidos pelo Conselho de Administração), Conselho Fiscal (um membro indicado pelos funcionários e dois servidores públicos designados pelo Executivo) e Comitês de Auditoria Estatutário e de Elegibilidade.
Quadro funcional
O Instituto realizará suas contratações de pessoal nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com empregados sendo recrutados mediante concurso público. O texto também descreve funções gratificadas e estabelece 21 cargos comissionados, totalizando 78 vagas com salários mensais entre R$ 1.952,28 e R$ 20 mil. Como sucessor universal da Fundação de Saúde, o Instituto de Saúde Pública de Novo Hamburgo absorverá o atual quadro funcional, não afetando os vínculos trabalhistas.
Os funcionários da FSNH, contudo, contestam a exclusão da previsão de processo administrativo disciplinar para a decisão sobre demissões. Representando os profissionais, o diretor do Sindicato da Saúde de Novo Hamburgo e Região e assistente administrativo da Fundação, Ângelo Louzada, lembrou que a manutenção da ampla defesa e contraditório havia sido prometida pelo assessor jurídico especial do Gabinete da Prefeita, Ruy Noronha, durante a reunião do Conselho Municipal de Saúde que aprovou a proposta – a declaração consta em ata.
“Falaram que ninguém perderia nada, que o emprego estava garantido. Mas estará garantido até quando? Porque estão abrindo as portas para a demissão. Onde está a ampla defesa e o contraditório? Prometeram que não perderíamos nenhum direito, mas já começamos perdendo as pernas, que é a estabilidade do servidor público”, alertou Louzada, que ocupou a tribuna a convite de Felipe Kuhn Braun. O sindicalista citou ainda a Súmula 390 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que atesta que a estabilidade, na forma do artigo 41 da Constituição Federal, é garantida aos servidores celetistas da administração direta, autárquica e fundacional, mas não a empregados de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitidos mediante aprovação em concurso. “Vocês estão tirando a estabilidade do servidor público”, sintetizou.
O presidente interino do Sindicato dos Técnicos, Tecnólogos e Auxiliares em Radiologia do Estado do Rio Grande do Sul (Sinttargs), Luís Antonio dos Santos, pediu aos vereadores que estendessem o debate junto ao Executivo e à população. “Existem algumas questões que gostaria que fossem mais discutidas, porque não dão as garantias que os funcionários têm hoje. Este projeto me remete à situação da Gamp (Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde) em Canoas. É importante os vereadores entenderem que estamos discutindo o histórico dos trabalhadores e do povo que é atendido por eles. Vejo uma lacuna para, daqui a pouco, simplesmente entrar uma terceirizada. Existem situações aqui que podem ser inconstitucionais. Isso pode desenrolar algo bem mais complicado do que foi a Fundação. Peço encarecidamente que revejam o projeto”, sustentou Santos, convidado por Patricia Beck.
Após as manifestações dos sindicalistas, foi aberto espaço, a pedido de Cristiano Coller (Rede), para o assessor jurídico Ruy Noronha. Ele garantiu que não haverá possibilidade de demissão sem justa causa e que todos os processos passarão por comitê constituído por servidores. Enio Brizola questionou os critérios que serão adotados para a análise do que caracterizaria a justa causa. Inspetor Luz (MDB) informou que, mesmo que não conste na lei que institua a empresa pública, o contraditório e ampla defesa é uma prerrogativa constitucional de qualquer cidadão. “Podem tentar o que quiserem, mas não funcionará. O direito de todos está assegurado”, afirmou.
O vereador também ressaltou que o projeto foi apresentado em audiência pública e contestou o uso da súmula do TST, uma vez que ela não teria efeito de lei, por não ser vinculante. Ele ainda lembrou que as definições de justa causa são previstas pelo artigo 482 da CLT. Felipe Kuhn Braun disse temer um novo impasse com a criação do Instituto. “Este é um projeto que mexe com a vida de 2 mil pessoas e famílias e, lá na ponta, um serviço que já está sendo prejudicado, embora não pela falta de empenho e vontade dos funcionários. A Saúde de Novo Hamburgo passa por uma situação muito delicada. Nós queremos uma discussão mais ampla porque temos pareceres jurídicos contrários que nos levam a crer em um novo imbróglio. E existem opções. Poderia se voltar, por exemplo, à condição de autarquia, até que seja formalizada nova alternativa”, sugeriu.
Enio Brizola ressaltou que a retirada de direitos soma-se a uma prática já adotada, em seu entendimento, em âmbito nacional com a Reforma Trabalhista. “Este é um projeto que privatiza o atendimento em saúde na nossa cidade. Não são só os empregos que estão em jogo. A população, que já precisa esperar meses para fazer um exame, também está apreensiva. Até tínhamos a expectativa de que fosse apresentada emenda regulamentando o processo administrativo disciplinar, porque não dá para confiar em artigos da CLT. Após a Reforma Trabalhista, não existe mais CLT”, argumentou.
O petista também indicou o retorno ao status de autarquia até a construção de uma alternativa adequada. “A Câmara se colocou à disposição do Executivo para construirmos coletivamente o projeto, mas não fomos chamados para nenhuma reunião. Em breve discutiremos questões de inconstitucionalidade deste projeto”, antecipou.
Patricia Beck reiterou a situação precária da Saúde no Município e rebateu os argumentos apresentados pela Prefeitura para fundamentar a implantação do Instituto. Utilizando uma banana e uma maçã, ela ilustrou sua perspectiva de que não é possível transformar algo que não existe mais (a Fundação) em outro órgão. A vereadora apresentou respostas a consultas feitas junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) que atestam que a folha salarial da FSNH já é contabilizada no cálculo dos gastos com pessoal do Município, o que refutaria a tese de impossibilidade de retorno à forma autárquica. “Esta empresa pública nada mais é que uma terceirização. E mesmo esta empresa estará na folha salarial da Prefeitura. O Instituto não é a única saída para a Saúde do Município. E, se quiserem demitir funcionário, farão, sim”, alegou.
De acordo com a parlamentar, os gastos com pessoal, incluindo empresas terceirizadas, corresponde a 48% da receita corrente líquida do Município, dentro, portanto, do limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O vereador Enfermeiro Vilmar, que é servidor da FSNH, também adotou o posicionamento de que a lei de criação do Instituto será considerada inconstitucional, se julgada pelos órgãos competentes. “Não teremos nenhuma garantia que adquirimos como concursados. Criar o Instituto significa apadrinhar mais cargos em comissão dentro do Sistema Único de Saúde. Tem tanta coisa para fazermos para melhorar a Saúde. O problema é gestão, alguém que tenha coragem de fazer pelo povo. Este Instituto nada mais é que fraudar a Constituição e os princípios da moralidade e impessoalidade”, asseverou.
Após derrota na votação da matéria, Vilmar afirmou que a Saúde encontra-se na UTI. “Acredito que este projeto é uma farsa, para enganar a população e os funcionários”, endossou. Patricia Beck reclamou da forma como a tramitação do projeto foi abordada pelo Executivo. “Tentaram colocar funcionários contra a população, mas não demorará para a verdade aparecer”, concluiu.
Pedido de retirada da pauta
Invocando dispositivos do Regimento Interno da Câmara, a vereadora Patricia Beck pleiteou a retirada do projeto da pauta de votação, no início da sessão. A justificativa da parlamentar era de que, a partir do pedido de urgência aprovado na sessão anterior, a tramitação da matéria não transcorreu conforme ordena a resolução que determina os ritos da Casa. Tomando como base os artigos 105 e 150, Patricia alegou que a votação de ofício do Executivo solicitando urgência não é previsto regimentalmente. Conforme os trechos destacados, o expediente é válido para requerimentos escritos – pedidos formalizados por vereador ou comissão. Além disso, a parlamentar questionou ter seu pedido de discussão do ofício negado, o que também contrariaria o Regimento.
Por fim, a vereadora cobrou respeito ao artigo 130, que incumbe ao presidente da Câmara, após ouvido o Plenário, a retirada de matéria que tenha tramitado sem observar a prescrição regimental. No exercício da presidência, Gerson Peteffi (MDB) consultou a assessoria jurídica da Casa, que lembrou que o ofício é entendido como a forma de comunicação entre os poderes, o que justificaria seu acolhimento. De qualquer forma, Peteffi pôs em votação o pedido de Patricia para que o projeto fosse retirado da pauta desta quarta-feira. A solicitação foi rejeitada por 9 votos a 4.
Após a decisão, Patricia Beck anunciou a elaboração de recurso contra o ato do presidente, nos termos do artigo 111 do Regimento Interno. O documento, assinado também por Enfermeiro Vilmar, Enio Brizola e Felipe Kuhn Braun, foi protocolado ainda durante a sessão de quarta-feira. O recurso deverá ser encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Redação, que opinará e elaborará projeto de resolução acolhendo ou denegando o pedido. Feito isso, a matéria irá a votação única em plenário na primeira sessão ordinária subsequente.
Entenda o julgamento de inconstitucionalidade
Em 2009, o então prefeito Tarcísio Zimmermann encaminhou à Câmara projeto de lei que transformava a autarquia Hospital Municipal de Novo Hamburgo em uma fundação estatal de direito privado. A alteração buscava atender a apontamento do TCE-RS quanto às despesas com pessoal do Município, que se aproximavam ao limite determinado pela LRF. A instituição da FSNH aliviou esse cálculo, uma vez que a folha salarial, agora em regime celetista, não passaria mais a ser computada.
Entidades classistas, no entanto, discordaram da forma como a Fundação foi criada e impetraram ação direta de inconstitucionalidade junto ao TJRS. Em março de 2013, o pleno do Tribunal concordou com a apelação, justificando que a Lei Municipal nº 1.980/2009 violaria dispositivos constitucionais por não tratar especificamente da criação da fundação – versa também sobre a extinção da autarquia anterior – e por já definir área de atuação e limites de suas regras estatutárias, o que deveria ser reservado a uma lei complementar posterior. Por motivações diversas, as partes envolvidas recorreram ao STF. Em decisão publicada no final de outubro, o ministro Luís Roberto Barroso negou provimento ao recurso extraordinário.
Para o projeto virar lei
Para que um projeto se torne lei depois de aprovado em segunda votação, ele deve ser encaminhado à Prefeitura, onde poderá ser sancionado e promulgado (assinado) pela prefeita. Em seguida, o texto deve ser publicado, para que todos saibam do novo regramento. Se o documento não receber a sanção no prazo legal, que é de 15 dias úteis, ele volta para a Câmara, que fará a promulgação e ordenará sua publicação. Quando isso ocorre, é dito que houve sanção tácita por parte da prefeita.
Há ainda a possibilidade de o projeto ser vetado (ou seja, rejeitado) parcial ou totalmente pela prefeita. Nesse caso, o veto é analisado pelos vereadores, que podem acatá-lo, e então o projeto não se tornará lei, ou derrubá-lo, quando também a proposta será promulgada e publicada pela Câmara.