Especialistas criticam culpabilização e defendem acolhimento humanizado a mulheres vítimas de violência

por Luís Francisco Caselani última modificação 14/08/2018 19h00
07/08/2018 – Ao longo da tarde desta terça-feira, 7 de agosto, o Plenário da Câmara sediou seminário voltado para o debate das formas de identificação e atendimento na área da saúde de vítimas de violência doméstica, iniciativa da Procuradoria Especial da Mulher da Câmara em parceria com a Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo. Convidados para apresentar suas perspectivas sobre o assunto, o vereador e médico Raul Cassel (MDB) e as psicólogas Michele Trindade e Sabrina Cúnico, professoras da Universidade Feevale, discutiram os melhores caminhos para o entendimento do ciclo da violência e a disponibilização de alternativas acolhedoras para a ruptura desse processo.
Especialistas criticam culpabilização e defendem acolhimento humanizado a mulheres vítimas de violência

Fotos: Daniele Souza/CMNH | Foto Cassel: Thanise Melo/CMNH

Sabrina explicou que os agentes de saúde precisam compreender o caminho que leva à denúncia de violência sem dar início a um procedimento acusatório. “A violência sempre se dá a partir de uma escalada, precisando ser entendida como um fenômeno complexo. Ela tem múltiplas causas. Muitas mulheres demoram a identificar que estão em um relacionamento abusivo. Muitas situações podem ser interpretadas, em um primeiro momento, como cuidado e valorização da companheira”, salientou.

A psicóloga também apontou que, mesmo após identificar, muitas mulheres não conseguem pôr fim ao relacionamento. “Às vezes ela está tão imbricada a esse homem que se torna muito difícil cogitar o término. Outro fator é que ela pode temer ter sua fala descreditada. Além disso, os atos de violência são normalmente seguidos por ações de arrependimento. O ciclo que se estabelece é complexo”, justificou. Sabrina propôs um acolhimento integral, envolvendo diferentes segmentos sociais e mesmo da saúde, e o cuidado para não atribuir culpa às mulheres.

Às vezes, na tentativa de ajudar, também acabamos sendo violentos. Esse é um cuidado que precisamos ter. Muitas vezes as pessoas não conseguem se desligar do relacionamento por razões que mesmo elas desconhecem”, alertou. A professora pediu ainda que os profissionais estejam sempre atentos. “O feminicídio é quase uma tragédia anunciada, porque há uma escalada. Então é importante que consigamos intervir antes”, recomendou.

Trabalho integrado

Raul Cassel aposta na integração dos profissionais da saúde como forma de potencializar a capacidade de diagnóstico sobre a existência de problemas relacionados à violência de gênero. O vereador, que atua como médico na rede municipal de saúde, também argumentou a respeito da gênese do comportamento agressivo. “Cada reação violenta tem um contexto, muitas vezes relacionada ao processo de formação do casal. Quando se unem, eles trazem junto toda uma origem pregressa, dando início a um contexto de acomodação de comportamentos. À vezes, começa assim a formação de uma estrutura viciosa que se avança para essa condição de agressividade”, inferiu.

Cassel descreveu algumas mudanças sociais como fatores que intensificam essa possibilidade. “Essa adolescência prolongada, que amplia a estadia dos filhos em casa, retardando sua independência completa, tem sido importante no desencadeamento dessas violências, porque ocasionou o salto de etapas”, exemplificou. O vereador referiu ainda a influência do abuso de drogas lícitas e ilícitas e a dependência financeira que muitas vezes cerca o relacionamento. “Essa intolerância pode ser verbal, física, sexual. A partir do momento que aconteceu uma vez, a porta está aberta”, sinalizou.

A fim de interromper esse ciclo antes que ele seja agravado, Cassel sugeriu que os profissionais de saúde estejam mais atentos a indícios não-verbais. “A área médica tem que olhar nos olhos das pessoas. O preenchimento de formulários e a medição arterial não permitirá identificar agressões. Muitas das dores relatadas não têm nexo, o que faz com que possamos sentir que há algo que a paciente está querendo contar, mas não consegue. Não digo que é possível detectar tudo, mas boa parte é possível”, destacou.

Segundo o médico, a descoberta, normalmente seguida de um momento de choro, tentativas de defesa e, por fim, uma enxurrada de relatos, torna-se mais fácil a partir dos mecanismos da medicina preventiva. “Mas tu não pode tentar tirar tudo da pessoa no primeiro momento. É necessário agregar confiança, até propondo uma consulta posterior. Se realmente queremos tratar a pessoa, a maneira é olhar nos olhos e encontrar uma alternativa que seja salutar para a paciente. Caso contrário, apenas estimularemos novas e novas queixas veladas. A pessoa continuará sofrendo, se não fizermos o diagnóstico”, receou.

Nadim

A também psicóloga Michele Trindade aproveitou o espaço para apresentar o trabalho realizado pelo Núcleo de Apoio aos Direitos da Mulher da Universidade Feevale (Nadim). Projeto de assistência jurídica mantido desde 2009, o Nadim surgiu como um espaço de escuta e apoio às mulheres vítimas de violência. Com três professores e 10 alunos extensionistas, o projeto oferece aconselhamento jurídico e psicológico gratuito para a comunidade hamburguense – inclusive para homens agressores e agredidos. “Buscamos impactar a vida das pessoas para que elas vislumbrem uma possibilidade de melhora. Queremos abrir espaço também para o treinamento das equipes de saúde, facilitando o processo de acolhimento”, propôs Michele. Saiba mais sobre o projeto pelo telefone (51) 3586-9215 ou diretamente no site do Nadim.

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