Vereadores aprovam projeto de lei que permite instalação de centro de reintegração social de apenados

por Luís Francisco Caselani última modificação 12/04/2022 02h53
11/04/2022 – Após quatro anos de debate, a implantação de um centro de reintegração social administrado pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) pode enfim se tornar realidade em Novo Hamburgo. Nesta segunda-feira, 11, a Câmara aprovou por unanimidade proposta assinada por 13 vereadores que abre uma exceção na Lei Municipal nº 2.761/2014, que proíbe a instalação de novos presídios ou similares no perímetro urbano da cidade.
Vereadores aprovam projeto de lei que permite instalação de centro de reintegração social de apenados

Foto: Daniele Souza/CMNH

A norma foi fundamentada, à época, em razão da experiência ruim com o Instituto Penal de Novo Hamburgo, cujas condições precárias facilitavam a fuga de presos e a prática de novos delitos. No entanto, o conhecimento de uma nova metodologia prisional, com foco na reinserção social dos apenados, levou os parlamentares a sugerir a exceção. O Projeto de Lei nº 110/2021, que só não leva a assinatura de Gustavo Finck (PP), ainda passará por nova votação antes do envio para análise do Executivo.

Reinserção social

A metodologia adotada pelas Apacs busca a reintegração social dos apenados de forma humanizada e com autodisciplina. Seu propósito é evitar a reincidência no crime e oferecer caminhos alternativos. Nelas, os próprios presos tornam-se corresponsáveis por sua recuperação. Para isso, contam também com assistência espiritual, jurídica, médica e psicológica, prestadas pela comunidade. Conforme a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o método Apac reduz custos, possibilita menor emprego de efetivo e representa média de reincidência inferior ao modelo tradicional.

“É notório que, na grande maioria dos casos, o atual sistema penitenciário não cumpre sua função ressocializadora e não consegue preparar o condenado para retornar à sociedade em condições de viver harmoniosa e pacificamente. Mas existe no Brasil um método de execução de pena focado na valorização do ser humano e na sua capacidade de recuperação que busca uma ruptura com o sistema penal vigente”, sustentam os signatários.

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Segundo a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), o Rio Grande do Sul já conta com duas unidades em funcionamento, com sedes em Pelotas e Porto Alegre. Novo Hamburgo teve sua Apac fundada em março de 2019, mas ainda não conseguiu instalar seu centro de reintegração social. Um dos entraves é justamente a Lei nº 2.761/2014. “Nas Apacs, a maior parte do trabalho é realizada por voluntários. Outro elemento fundamental é a participação das famílias dos recuperandos. Por isso, é necessário que os centros de reintegração social estejam instalados no perímetro urbano da cidade, a fim de viabilizar a plena aplicação da metodologia, facilitando o acesso de voluntários e familiares”, explicam os vereadores.

“A Apac é um projeto que estamos discutindo há quase um ano, já esclarecido diversas vezes até mesmo por autoridades ligadas à temática, que explicaram como funciona e o quanto traz de benefícios para a sociedade enquanto regime de reclusão. Nesse modelo, o recuperando tem que trabalhar para poder saldar sua dívida com o Estado em serviço. Os exemplos que visitamos mostram que a iniciativa será de grande valia para a cidade”, opinou Raizer Ferreira (PSDB).

Enio Brizola (PT), que acompanhou duas comitivas de vereadores para conhecer a iniciativa implementada em Porto Alegre, falou sobre a diferença em relação ao método prisional convencional. “Não se trata de um presídio. Não estamos lutando por isso. O que estamos votando aqui é um projeto que possibilita a instalação de um centro de recuperação de pessoas. Desde 2014 (ano de aprovação da lei que está sendo modificada), a segurança pública evoluiu. O emprego de tecnologias tem ajudado fortemente no combate ao crime. As polícias estão mais bem estruturadas. Mas ainda temos o mesmo sistema penitenciário que não recupera e que o Estado tem dificuldade de controlar. O que estamos votando é uma metodologia, um conceito de que é preciso investir no ser humano. Vimos com nossos próprios olhos a esperança daquelas pessoas de saírem de lá e poderem conviver novamente em sociedade. É isso que eles desejam”, contou o parlamentar.

Ricardo Ritter, o Ica (PSDB), relatou que, em visita à Apac, foi interpelado por um recuperando de Novo Hamburgo, que solicitou o andamento do projeto na cidade. “Ele pediu que incentivássemos a criação de uma Apac no município, muito em questão de os familiares poderem estar próximos a eles”, acrescentou. “Eu já tinha uma visão favorável ao projeto, mas fiquei bem entusiasmado com a visita. Há também a possibilidade de adaptação de imóveis já existentes para a implantação dos centros de reintegração. Não precisa ser uma construção nova. Podem ser usados prédios ociosos na cidade, o que também resolve outro problema. A população questiona o fato de os presos não fazerem nada, não trabalharem. Pois a Apac propicia que eles voltem ao mercado de trabalho, pagando sua pena já com o serviço realizado ali dentro. Vi muito boa vontade nos que lá estavam”, revelou o vereador.

Relator da Comissão de Segurança Pública da Câmara (Coseg), Darlan Oliveira (PDT) salientou as semelhanças entre o método Apac e as clínicas terapêuticas. “Quando fizemos a visitação, vimos pessoas buscando uma reabilitação. Presenciamos a realização de oficinas e atividades que permitirão que esses recuperandos saiam da Apac capacitados, lutando todos os dias para se reinserirem no mercado de trabalho”, afirmou. O secretário da Coseg, Felipe Kuhn Braun (PP), complementou a fala do colega. “Desde o início eu compreendi a Apac como uma forma de realmente fazer a diferença e trabalhar a ressocialização. Este é um caminho que faz a diferença para a diminuição da violência e a melhoria da sociedade em longo prazo. O Brasil ainda tem muito a avançar, e é preciso olhar para este assunto com mais atenção e trabalho”, frisou.

Exemplos exitosos

Presidente da Apac em Novo Hamburgo, Lisandra Müller subiu à tribuna para mostrar algumas das atividades desenvolvidas por unidades que adotaram a metodologia em diversas partes do Brasil. Segundo ela, já foram instaladas fábricas de móveis, panificadoras, confeitarias e iniciativas de hidroponia e piscicultura. Algumas Apacs também auxiliam o poder público por meio da disponibilização de mão de obra para serviços de manutenção, limpeza urbana e fabricação de blocos para pavimentação. “Projeto feito no Maranhão, Minas Gerais e Paraná também produziu, até o final do ano passado, 70 mil marmitas, que foram doadas para pessoas em situação de vulnerabilidade social”, informou.

Lisandra salientou ainda a produção e doação de máscaras de proteção durante a pandemia, totalizando mais de 2 milhões de unidades em todo o país. A presidente afirmou que cada centro atua conforme as especificidades do local onde está instalado. Em Porto Alegre, ela destaca que 97% dos recuperandos continuaram ou retornaram aos estudos, seja em nível superior ou na educação de jovens e adultos. “O céu é o limite. A criatividade e a necessidade vão fazer com que, aqui na Apac de Novo Hamburgo, possamos ver de que forma poderemos auxiliar a cidade”, afirmou.

Titular da vara de execuções criminais de Novo Hamburgo, o juiz Carlos Noschang Júnior comemorou o avanço legislativo de uma luta travada há mais de quatro anos. “Temos a previsão dessa metodologia na Lei de Execuções Penais como sendo a principal para o cumprimento da execução penal. Infelizmente, o que vemos é justamente o contrário. O encaminhamento do preso para o sistema convencional só favorece as facções, fortalecendo cada vez mais o poder paralelo. A Apac é justamente uma mudança de prisma. Temos experiências há mais de 40 anos que mostram ser um método realmente eficaz na mudança de comportamento e no resgate do ser humano”, enfatizou o magistrado, que esclareceu não haver qualquer benefício para o recuperando no cumprimento da pena. “A redução do tempo não será diferente do que é proposto ao preso convencional que trabalha. É feita exatamente a mesma conta”, declarou.

O procurador de justiça Gilmar Bortolotto detalhou parte do trabalho realizado em Porto Alegre. “Faço na Apac uma oficina de valorização humana. A pessoa precisa entender o valor que tem, porque é com essa régua que ela irá nos medir quando estiver solta. O que se faz de principal é mostrar o tamanho do dano que ela provoca a todos; primeiro para ela, depois para sua família. Não se dá espaço para se responsabilizar terceiros”, explanou. O procurador também explicou que o alto índice de recuperação está atrelado à vontade de os apenados irem para a Apac. “Existem pessoas que não querem sair do crime, e elas devem receber o tratamento adequado de contenção, mas existem pessoas que querem. Mas essa saída é muito difícil, porque a pressão para continuar é cotidiana. Esses recuperandos querem sair dessa vida. Vocês estão aprovando algo muito positivo”, tranquilizou.

O promotor de justiça Luciano Gallicchio aproveitou a sessão para reforçar que o projeto de lei não abre o leque para a construção de nenhum outro tipo de casa prisional. “A Apac é uma alternativa que se coloca à disposição de quem deseja se desvincular da vida do crime. É uma alternativa para quem, provavelmente, sem essa possibilidade, continuaria ligado a uma facção e que cumpriria sua pena em um local onde há acesso a aparelhos de comunicação, comercialização e consumo de drogas e de onde se praticam delitos. Quem lucra com a forma como o sistema prisional tradicional funciona não vê essa iniciativa com bons olhos, porque ela é uma válvula de escape para o sujeito que deseja se desvincular do crime. A Apac é um fator anticriminógeno”, sintetizou.

Único vereador a não assinar a proposta, Gustavo Finck demonstrou sua preocupação com a falta de segurança armada no entorno das Apacs. Ainda assim, o parlamentar depositou seu voto favorável à matéria. “Busquei várias fontes de pesquisa e o que me chamou a atenção é que, este ano, em torno de 12 apenados fugiram de Apacs. Em Novo Hamburgo, o semiaberto já é um grande problema. Se for um prédio sem segurança, a comunidade não enfrentará esse problema? Não será muito mais fácil fugir? Não temos um forte aparato de segurança na cidade”, indagou.

Bortolotto afirmou que as pessoas precisam raciocinar pela regra, não pela exceção. “O Brasil tem 63 Apacs. O senhor relatou 12 fugas. Esse número precisa ser confrontado com os números do sistema convencional, onde são contabilizadas milhares de fugas, mesmo com segurança armada. As Apacs, na verdade, estão atreladas a uma tendência de melhoria na segurança pública”, concluiu o procurador.

Benefícios

Conforme os autores do projeto, os méritos da aplicação do método Apac atingem diferentes aspectos, desde a redução de custos até o resgate de laços familiares e a formação de mão de obra qualificada. “Nas Apacs, os condenados (que passam a ser tratados como ‘recuperandos’) se submetem a uma rigorosa disciplina de estudo e trabalho, com atividades que vão das 6h às 22h, além de serem responsáveis pela limpeza e manutenção do espaço e pelo preparo de suas refeições.”

Os benefícios financeiros da iniciativa se refletem tanto no custo mensal do apenado, inferior ao sistema penitenciário tradicional, quanto na implantação do espaço. “Isso se dá, dentre outros fatores, porque há a possibilidade de adaptação de imóveis já existentes, não havendo a necessidade de seguir rigorosamente o padrão de construção dos presídios convencionais”, indicam os parlamentares. A principal vantagem do método, porém, está no índice de reencarceramento. Enquanto a média do sistema comum é de 72%, nas Apacs o percentual cai para 20%. “Isso representa a redução da criminalidade”, finalizam os vereadores.

A aprovação em primeiro turno

Na Câmara de Novo Hamburgo, os projetos são sempre apreciados em plenário duas vezes. Um dos objetivos é tornar o processo (que se inicia com a leitura da proposta no Expediente, quando começa sua tramitação) ainda mais transparente. O resultado que vale de fato é o da segunda votação, geralmente realizada na sessão seguinte. Assim, um projeto pode ser aprovado em primeiro turno e rejeitado em segundo – ou vice-versa.