Procurador da Câmara encerra seminário defendendo direito parlamentar de legislar sobre serviços públicos
Bondan continuou sua explanação ressaltando a consolidação da ampliação da iniciativa parlamentar a partir de recentes posições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No caso específico de Novo Hamburgo, ele explicou que diversos projetos aprovados pela Câmara acabam sendo julgados inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), órgão ao qual cabe a análise, devido a um equívoco interpretativo causado pela redação da Constituição Estadual.
Em seu artigo 60, a peça destrincha as leis de iniciativa privativa do governador, a partir do princípio da simetria, aos moldes do que dispõe o artigo 61 da Constituição Federal. No entanto, enquanto a Carta Magna brasileira garante ao presidente a exclusividade sobre a criação e extinção de ministérios e órgãos da administração pública, a versão estadual acrescentou ao governador o direito para legislar reservadamente também sobre as atribuições de suas secretarias. É essa diferença, segundo Bondan, que gerava dúvida em sua interpretação. E, como o TJRS baseia-se pela Constituição do Estado, muitas propostas parlamentares gaúchas acabavam julgadas inconstitucionais.
“Esse texto cria o entendimento de que qualquer atribuição a uma secretaria seja entendida como de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo. Uma boa parte dos juristas compreendeu que nisso está inserida toda a matéria relacionada a serviço público e sua organização administrativa. Mas precisamos interpretar conforme o artigo 61 da Constituição da República. Legislar sobre serviços públicos é algo totalmente constitucional”, afirmou.
O procurador-geral da Câmara pontuou ainda que os vereadores só não podem legislar sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na Prefeitura e suas autarquias, aumento da remuneração dos servidores do Executivo ou alterações em seu regime jurídico, bem como a criação e extinção de órgãos e secretarias. O restante, dentro do âmbito e da competência municipal, é iniciativa concorrente entre agentes políticos e cidadãos. “A visão de que as câmaras municipais só emitem votos de pesar e nomeiam ruas se deve muito mais à posição jurisprudencial do que ao trabalho parlamentar. Há um ativismo judiciário de que alguns dispositivos legais são entendidos como ‘inadequados’ para órgãos legislativos, mas é preciso partir da ótica da literalidade da Constituição Federal. O STF tem firmado posição absolutamente ampliativa da iniciativa parlamentar”, concluiu Bondan.
Eficiência normativa
Antes de sua palestra, o também procurador da Câmara, Wedner Lacerda, discorreu sobre os preceitos clássicos que orientam a constituição das leis, aos quais acrescentou o atributo da inovação. Segundo ele, as leis precisam sempre veicular uma novidade no ordenamento jurídico. “Legislar por legislar não contribui para a democracia. Não havendo a necessidade de legislar, não se deve fazê-lo. Muitas vezes os problemas podem ser resolvidos de maneira administrativa e judicial”, destacou. O servidor salientou a importância do papel do controle popular sobre a atividade legislativa, mas lembrou que a iniciativa de regramentos jurídicos não pode se basear simplesmente no anseio da população. “A Lei do Uber é um exemplo, feita no calor do momento e sem dizer muita coisa”, recordou.
Além da legística formal, fundamentada em âmbito nacional pela Lei Complementar Federal nº 95/1998, que rege a elaboração e redação das normas jurídicas brasileiras, Lacerda reforçou a necessidade da atenção à legística material. “Essa área de estudo objetiva aprimorar o processo legislativo. O legislador precisa questionar se o problema exige mesmo a edição de uma lei para resolvê-lo”, pontuou. De acordo com o procurador, o objetivo é impedir o exagero normativo. Para isso, cabe ao legislador identificar se há um problema social que demande uma intervenção legislativa e se essa atende a uma relação custo-benefício razoável.
“A lei precisa ser exequível e proporcional. Há que se questionar entre os ganhos que ela propicia e os custos que implica. Além disso, a lei precisa ser de fácil entendimento, pois deve buscar maior grau possível de uniformidade interpretativa. É preciso buscar um equilíbrio entre excesso e ausência de normatização”, sintetizou. De acordo com Lacerda, precisa ser instaurada ainda uma abordagem multidisciplinar do planejamento legislativo, confluindo saberes como linguística, economia, ciência política, direito, sociologia, estatística, tecnologia da informação e comunicação. “A política sem a técnica resulta em populismo. A técnica sem política resulta em tecnocracia”, finalizou.
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Processo Legislativo, Democracia e Hermenêutica são abordados em palestra