"Quanto custa uma vida para o poder público?", indaga a Liga de Combate ao Câncer

por Tatiane Souza última modificação 10/05/2023 20h46
10/05/2023 – Há quase um ano, Novo Hamburgo deixou de ser referência na região para os atendimentos oncológicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os serviços, antes prestados gratuitamente pelo Hospital Regina, foram transferidos para Taquara. Desde o anúncio da migração, vereadores e entidades locais iniciaram uma mobilização por alternativas que assegurassem a manutenção dos tratamentos médicos na cidade. Nesta quarta-feira, 10, a Liga Feminina de Combate ao Câncer reforçou seu posicionamento durante sessão plenária da Câmara.
"Quanto custa uma vida para o poder público?", indaga a Liga de Combate ao Câncer

Foto: Jaime Freitas/CMNH

Com o plenário lotado por pessoas em tratamento de câncer e familiares, a presidente da instituição, Regina Dau relatou a atual situação dos atendimentos oncológicos no Hospital Bom Jesus, em Taquara, e expôs as dificuldades enfrentadas pelos pacientes, especialmente em relação ao tempo despendido somando deslocamento e espera pelas consultas. Sua participação na tribuna foi viabilizada por requerimento assinado pela Comissão de Direitos Humanos (Codir), composta pelo presidente Enio Brizola (PT), a relatora Tita (PSDB) e a secretária Lourdes Valim (Republicanos). 

O vereador Brizola falou de todas as batalhas travadas e ações realizadas no intuito de trazer a oncologia SUS para Novo Hamburgo. “Não podemos só perder. Nós temos de ousar vencer e é este o desafio que está posto”, frisou o petista. 

A presidente da Liga destacou que a instituição atua há 38 anos em Novo Hamburgo atendendo pessoas de baixa renda (até dois salários-mínimos) e laudo de câncer. “Faz um ano que perdemos a oncologia SUS em Novo Hamburgo para Taquara. Estivemos nesta tribuna, alertando o quanto isso seria difícil para a população pobre e doente. O tempo é o grande sinalizador, como disse o vereador Brizola. Perdemos, mas lutamos e estamos novamente aqui para lembrar nossos representantes, assim como foi feita uma carta aberta e divulgada no mês passado a toda a comunidade, que não esquecemos e que continuaremos lutando”, lembrou Regina. 

Ela manifestou que a luta não para porque os pacientes depositam na Liga toda a sua esperança. “Não lutamos por causa própria. Tivemos um ano muito difícil. Saímos do Hospital Regina onde fazíamos o trabalho humano, fomos para nossa sede, tudo com recursos próprios. Continuamos. Hoje, nossa média de cadastro é de 300 a 500 pessoas atendidas pela Liga”, disse. A presidente sinalizou, ainda, que os pacientes registram queixas para marcação de exames, alguns com demora que varia de três a cinco meses. Segundo ela, as salas de cirurgias não têm dado conta da demanda. “Além da demora, os exames são marcados em cidades da região metropolitana e do Vale. Assustados pelo risco de metástases pela gravidade da doença, os pacientes estão com medo. Novo Hamburgo tinha um importante exame, que era realizado somente aqui. Perdemos o exame e agora só temos em Porto Alegre, e a demora é de um ano, mesmo o oncologista solicitando”, contou. 

Regina Dau alertou que os atendimentos de emergência são orientados a se dirigir para Taquara, mas os médicos autorizados só podem tratar a dor, e não solicitar exames complementares. Além disso, a voluntária se preocupa com o desgaste em relação ao transporte – levados por uma van, que recolhe cada paciente em sua moradia, cada viagem dura cerca de 10 horas. Além disso, salientou, falta local apropriado para espera e opções de comidas saudáveis nos arredores do hospital. 

Aplaudida em pé pelos presentes, Regina Dau disparou que vieram saber o que foi feito neste um ano para trazer a oncologia de volta. “Tivemos um desmonte muito grande. Nos prometeram que em dois anos a obra no Hospital Municipal estaria pronta. Mas como estão realmente as obras do Anexo 2? O prédio é só a primeira parte. Tem que aparelhar, cadastrar médicos, quantos anos vai levar tudo isso? Estamos começando da estaca zero uma coisa que o município tinha há 30 anos na mão. Foi um retrocesso na área da saúde e um sofrimento para os pacientes. Estamos aqui para abraçar com vocês e com a comunidade esta luta”, apontou. 

O paciente oncológico Tarcísio Schöll, mesmo com dificuldades na fala, usou a tribuna para expor aos políticos e a comunidade as dificuldades que encontram para fazer o tratamento em Taquara. “É vergonhoso, temos três hospitais com potencial bem grande para atender a oncologia aqui no Município, mas perdemos por causa da administração pública de Novo Hamburgo. A saúde pública aqui está abandonada. Enquanto eu estiver vivo, vou brigar dia e noite para que esta oncologia volte para a nossa cidade. Vai ser difícil, mas nós vamos conseguir. Mas sou realista e não tenho esperança que a oncologia esteja de volta até 2025”, disse. Schöll relatou que ficar esperando pelo atendimento na rua, com frio, vento, chuva, ou calor porque não há recepção para todo mundo é uma situação muito difícil. “O nosso transporte não é ruim, mas a demora nos castiga bastante. Nos ajudem, por favor, para que tenhamos um movimento mais amplo para poder trazer a oncologia de volta o mais rápido possível”, pediu o paciente. 

Atuação dos vereadores 

Desde o início do ano, a Comissão de Direitos Humanos tem se debruçado sobre o tema. Em março, os vereadores foram até Taquara acompanhar o trabalho realizado pela nova referência. Na última semana, o grupo vistoriou as obras do Anexo 2 do Hospital Municipal. Com conclusão prevista para o final de 2024, o novo prédio é tratado como uma das alternativas para o Município recuperar os atendimentos dentro da especialidade. 

O vereador Enio Brizola afirmou que o retorno da oncologia é um tema urgente que nunca pode sair das pautas políticas da cidade. “Enquanto Comissão de Direitos Humanos comprovamos que todo esse transtorno do transporte impacta no tratamento dos pacientes e já notificamos a Prefeitura sobre a situação, exigindo transporte com dignidade para as pessoas em tratamento. Não precisa ser de luxo, mas são necessários mais carros à disposição para que não dure nove/dez horas a viagem até Taquara e nem fiquem duas horas circulando dentro da cidade. Também podemos classificar como criminoso o tempo de espera para a realização de exame para diagnóstico – a pessoa pode morrer por falta de assistencial neste intervalo. O estado/município comete crime de não assistência. Quando estivemos em Taquara, a direção do Hospital Bom Jesus relata as mesmas coisas que o Regina alertava: não poder aumentar o número de atendimentos porque são limitados pelo SUS”, revelou o parlamentar. 

Sobre as obras no Hospital Municipal, Brizola enfatizou que ainda não estão adaptadas para receber a oncologia. Segundo ele, o prédio será adequado depois de pronto, por questões licitatórias. Ele disse ainda que Unimed e a Universidade Feevale também manifestaram interesse em se referenciar para o tratamento oncológico na cidade. “Estamos mobilizando nossos deputados e senadores, vamos a Brasília. A fase é de luta e mobilização e de cobrar os políticos que vêm à nossa cidade pedir votos. Agora, precisamos deste engajamento. Não é uma caminhada de um vereador, ou comissão, mas um trabalho institucional, incluindo a prefeita Fátima”, finalizou. 

Felipe Kuhn Braun (PP) destacou que a perda da Oncologia SUS é um dos capítulos mais tristes da história de Novo Hamburgo. “Tudo foi feito muito na surdina”, respondeu a presidente da Liga, que acrescentou “para onde ou para quem os pacientes gritariam se não fôssemos nós?”, indagou Regina. “Isso é triste e um retrocesso na saúde pública de Novo Hamburgo”. 

Raizer Ferreira (PSDB) disse que os vereadores lutaram para que o processo fosse revertido, mas como não conseguiram, foram várias vezes a Taquara conhecer e ver como está a situação. “Estou nesta luta a favor da volta da oncologia, mas preciso lembrar que como é um atendimento de alta complexidade, os repasses vêm do governo federal. Precisamos que as tabelas SUS possam ser alteradas e atualizadas porque este foi o motivo da desistência do Hospital Regime em da continuidade ao serviço. Sinto dizer que não passa somente por uma decisão desta Casa. Precisamos voltar a Taquara mais vezes para continuar a fiscalização do Bom Jesus e trabalharemos nisso”, apontou. 

Lourdes Valim (Republicanos) disse que os vereadores estão lutado, mas que o poder não está em suas mãos. “Faz um ano de dor e sofrimento, só quem passa, sabe. Não tenho poder da caneta, mas estou junto na luta para trazer a oncologia de volta”. 

Ricardo Ritter – Ica (PSDB) recordou que assunto é recorrente nas conversas com a prefeita. “Nada a incomoda mais do que isso. Todos nós somos procurados por situações de pessoas que passam por essa necessidade. Temos, atualmente, mais de dois mil pacientes sem tratamento em Taquara”, contou o líder do governo. Segundo Ica, em torno de 60 a 70 pessoas adentram o tratamento por mês, e a logística de transporte é muito complexa.” A prefeita quer fazer a oncologia SUS funcionar aqui novamente. Provavelmente não será ela que conseguirá colocá-la em funcionalmente. O próximo que assumir terá, ao menos, um prédio que estará adequado a receber as pessoas”. 

Para finalizar a sua fala na tribuna, a presidente da Liga Feminina de Combater ao Câncer, Regina Dau, enfatizou novamente que o erro foi ter permitido que a oncologia SUS tivesse saído do Hospital Regina e de Novo Hamburgo da noite para o dia. “Tudo isso poderia ter sido planejado e evitado. Esse é o nosso ponto de interrogação. Quantas mortes tem de acontecer antes de trazer a oncologia de novo para cá? Quanto vale a vida para o poder público?”, encerrou a voluntária.