"Quanto custa uma vida para o poder público?", indaga a Liga de Combate ao Câncer
Com o plenário lotado por pessoas em tratamento de câncer e familiares, a presidente da instituição, Regina Dau relatou a atual situação dos atendimentos oncológicos no Hospital Bom Jesus, em Taquara, e expôs as dificuldades enfrentadas pelos pacientes, especialmente em relação ao tempo despendido somando deslocamento e espera pelas consultas. Sua participação na tribuna foi viabilizada por requerimento assinado pela Comissão de Direitos Humanos (Codir), composta pelo presidente Enio Brizola (PT), a relatora Tita (PSDB) e a secretária Lourdes Valim (Republicanos).
O vereador Brizola falou de todas as batalhas travadas e ações realizadas no intuito de trazer a oncologia SUS para Novo Hamburgo. “Não podemos só perder. Nós temos de ousar vencer e é este o desafio que está posto”, frisou o petista.
A presidente da Liga destacou que a instituição atua há 38 anos em Novo Hamburgo atendendo pessoas de baixa renda (até dois salários-mínimos) e laudo de câncer. “Faz um ano que perdemos a oncologia SUS em Novo Hamburgo para Taquara. Estivemos nesta tribuna, alertando o quanto isso seria difícil para a população pobre e doente. O tempo é o grande sinalizador, como disse o vereador Brizola. Perdemos, mas lutamos e estamos novamente aqui para lembrar nossos representantes, assim como foi feita uma carta aberta e divulgada no mês passado a toda a comunidade, que não esquecemos e que continuaremos lutando”, lembrou Regina.
Ela manifestou que a luta não para porque os pacientes depositam na Liga toda a sua esperança. “Não lutamos por causa própria. Tivemos um ano muito difícil. Saímos do Hospital Regina onde fazíamos o trabalho humano, fomos para nossa sede, tudo com recursos próprios. Continuamos. Hoje, nossa média de cadastro é de 300 a 500 pessoas atendidas pela Liga”, disse. A presidente sinalizou, ainda, que os pacientes registram queixas para marcação de exames, alguns com demora que varia de três a cinco meses. Segundo ela, as salas de cirurgias não têm dado conta da demanda. “Além da demora, os exames são marcados em cidades da região metropolitana e do Vale. Assustados pelo risco de metástases pela gravidade da doença, os pacientes estão com medo. Novo Hamburgo tinha um importante exame, que era realizado somente aqui. Perdemos o exame e agora só temos em Porto Alegre, e a demora é de um ano, mesmo o oncologista solicitando”, contou.
Regina Dau alertou que os atendimentos de emergência são orientados a se dirigir para Taquara, mas os médicos autorizados só podem tratar a dor, e não solicitar exames complementares. Além disso, a voluntária se preocupa com o desgaste em relação ao transporte – levados por uma van, que recolhe cada paciente em sua moradia, cada viagem dura cerca de 10 horas. Além disso, salientou, falta local apropriado para espera e opções de comidas saudáveis nos arredores do hospital.
Aplaudida em pé pelos presentes, Regina Dau disparou que vieram saber o que foi feito neste um ano para trazer a oncologia de volta. “Tivemos um desmonte muito grande. Nos prometeram que em dois anos a obra no Hospital Municipal estaria pronta. Mas como estão realmente as obras do Anexo 2? O prédio é só a primeira parte. Tem que aparelhar, cadastrar médicos, quantos anos vai levar tudo isso? Estamos começando da estaca zero uma coisa que o município tinha há 30 anos na mão. Foi um retrocesso na área da saúde e um sofrimento para os pacientes. Estamos aqui para abraçar com vocês e com a comunidade esta luta”, apontou.
O paciente oncológico Tarcísio Schöll, mesmo com dificuldades na fala, usou a tribuna para expor aos políticos e a comunidade as dificuldades que encontram para fazer o tratamento em Taquara. “É vergonhoso, temos três hospitais com potencial bem grande para atender a oncologia aqui no Município, mas perdemos por causa da administração pública de Novo Hamburgo. A saúde pública aqui está abandonada. Enquanto eu estiver vivo, vou brigar dia e noite para que esta oncologia volte para a nossa cidade. Vai ser difícil, mas nós vamos conseguir. Mas sou realista e não tenho esperança que a oncologia esteja de volta até 2025”, disse. Schöll relatou que ficar esperando pelo atendimento na rua, com frio, vento, chuva, ou calor porque não há recepção para todo mundo é uma situação muito difícil. “O nosso transporte não é ruim, mas a demora nos castiga bastante. Nos ajudem, por favor, para que tenhamos um movimento mais amplo para poder trazer a oncologia de volta o mais rápido possível”, pediu o paciente.
Atuação dos vereadores
Desde o início do ano, a Comissão de Direitos Humanos tem se debruçado sobre o tema. Em março, os vereadores foram até Taquara acompanhar o trabalho realizado pela nova referência. Na última semana, o grupo vistoriou as obras do Anexo 2 do Hospital Municipal. Com conclusão prevista para o final de 2024, o novo prédio é tratado como uma das alternativas para o Município recuperar os atendimentos dentro da especialidade.
O vereador Enio Brizola afirmou que o retorno da oncologia é um tema urgente que nunca pode sair das pautas políticas da cidade. “Enquanto Comissão de Direitos Humanos comprovamos que todo esse transtorno do transporte impacta no tratamento dos pacientes e já notificamos a Prefeitura sobre a situação, exigindo transporte com dignidade para as pessoas em tratamento. Não precisa ser de luxo, mas são necessários mais carros à disposição para que não dure nove/dez horas a viagem até Taquara e nem fiquem duas horas circulando dentro da cidade. Também podemos classificar como criminoso o tempo de espera para a realização de exame para diagnóstico – a pessoa pode morrer por falta de assistencial neste intervalo. O estado/município comete crime de não assistência. Quando estivemos em Taquara, a direção do Hospital Bom Jesus relata as mesmas coisas que o Regina alertava: não poder aumentar o número de atendimentos porque são limitados pelo SUS”, revelou o parlamentar.
Sobre as obras no Hospital Municipal, Brizola enfatizou que ainda não estão adaptadas para receber a oncologia. Segundo ele, o prédio será adequado depois de pronto, por questões licitatórias. Ele disse ainda que Unimed e a Universidade Feevale também manifestaram interesse em se referenciar para o tratamento oncológico na cidade. “Estamos mobilizando nossos deputados e senadores, vamos a Brasília. A fase é de luta e mobilização e de cobrar os políticos que vêm à nossa cidade pedir votos. Agora, precisamos deste engajamento. Não é uma caminhada de um vereador, ou comissão, mas um trabalho institucional, incluindo a prefeita Fátima”, finalizou.
Felipe Kuhn Braun (PP) destacou que a perda da Oncologia SUS é um dos capítulos mais tristes da história de Novo Hamburgo. “Tudo foi feito muito na surdina”, respondeu a presidente da Liga, que acrescentou “para onde ou para quem os pacientes gritariam se não fôssemos nós?”, indagou Regina. “Isso é triste e um retrocesso na saúde pública de Novo Hamburgo”.
Raizer Ferreira (PSDB) disse que os vereadores lutaram para que o processo fosse revertido, mas como não conseguiram, foram várias vezes a Taquara conhecer e ver como está a situação. “Estou nesta luta a favor da volta da oncologia, mas preciso lembrar que como é um atendimento de alta complexidade, os repasses vêm do governo federal. Precisamos que as tabelas SUS possam ser alteradas e atualizadas porque este foi o motivo da desistência do Hospital Regime em da continuidade ao serviço. Sinto dizer que não passa somente por uma decisão desta Casa. Precisamos voltar a Taquara mais vezes para continuar a fiscalização do Bom Jesus e trabalharemos nisso”, apontou.
Lourdes Valim (Republicanos) disse que os vereadores estão lutado, mas que o poder não está em suas mãos. “Faz um ano de dor e sofrimento, só quem passa, sabe. Não tenho poder da caneta, mas estou junto na luta para trazer a oncologia de volta”.
Ricardo Ritter – Ica (PSDB) recordou que assunto é recorrente nas conversas com a prefeita. “Nada a incomoda mais do que isso. Todos nós somos procurados por situações de pessoas que passam por essa necessidade. Temos, atualmente, mais de dois mil pacientes sem tratamento em Taquara”, contou o líder do governo. Segundo Ica, em torno de 60 a 70 pessoas adentram o tratamento por mês, e a logística de transporte é muito complexa.” A prefeita quer fazer a oncologia SUS funcionar aqui novamente. Provavelmente não será ela que conseguirá colocá-la em funcionalmente. O próximo que assumir terá, ao menos, um prédio que estará adequado a receber as pessoas”.
Para finalizar a sua fala na tribuna, a presidente da Liga Feminina de Combater ao Câncer, Regina Dau, enfatizou novamente que o erro foi ter permitido que a oncologia SUS tivesse saído do Hospital Regina e de Novo Hamburgo da noite para o dia. “Tudo isso poderia ter sido planejado e evitado. Esse é o nosso ponto de interrogação. Quantas mortes tem de acontecer antes de trazer a oncologia de novo para cá? Quanto vale a vida para o poder público?”, encerrou a voluntária.