Especialistas destacam investimento na indústria e o fortalecimento do mercado interno como formas de superar a crise
Promovido pela Comissão de Finanças (Cofin) e pela Escola do Legislativo hamburguense em parceria com diversas entidades, o Seminário de Desenvolvimento Econômico apresenta até o dia 2 de setembro uma série de debates com o objetivo de pensar alternativas aos diversos setores produtivos em meio à crise gerada pela pandemia da Covid-19. Na abertura, o presidente da Câmara, Raizer Ferreira (PSDB), destacou o formato online do evento neste ano, em virtude das normas sanitárias, sem deixar de debater temas de extrema relevância para o município e região. À frente da Cofin, Enio Brizola (PT), reafirmou o compromisso do colegiado. “O seminário traz a oportunidade de debatermos a conjuntura econômica na nossa cidade, a cadeia produtiva e as transformações tecnológicas e digitais, bem como as políticas públicas existentes e as necessárias. Que toda essa discussão se transforme em ações para o desenvolvimento do nosso município.”
“Precisamos ter esperança. Pensar em inovação, mas também em como manter nossas indústrias e serviços. Sabemos da força do nosso povo e dos nossos empreendedores”, enfatizou a presidente do Consinos, que integra 14 municípios da região, Tânia Terezinha da Silva. O reitor da Feevale, Cleber Prodanov, lembrou que a universidade é parceira desde a primeira edição e citou a liderança da Casa em proporcionar a discussão de temas relevantes junto à sociedade. “Estamos aqui para apoiar não só o seminário, mas todas as soluções que possam decorrer dessa atividade. A união entre o poder público, a universidade e a sociedade é fundamental para que possamos trabalhar juntos pelo desenvolvimento local.”
Doutor em Economia, com ênfase em Macroeconomia e Economia Regional, Carlos Paiva discorreu sobre o cenário internacional e as transformações ocorridas desde a década de 1980. “Na maneira como se estrutura o capitalismo moderno, estaremos sempre a um passo de uma crise financeira. A questão é que passamos a ter fluxos internacionais de capital com muita volatilidade e sem nenhum controle. Por isso, não deve haver grandes mudanças no período pós-Covid.”
Segundo o especialista, existem duas formas de se avaliar o Produto Interno Bruto (PIB) de um país. Com câmbio nominal, os Estado Unidos ocupam a primeira posição, com US$ 20,933 trilhões, a China em segundo, com US$ 14,723 trilhões, e o Brasil fica em 12º lugar, contabilizando US$1,434 trilhão. Assim foi estabelecido o G7, grupo dos países mais ricos do mundo, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Na outra maneira, calculada pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) de acordo com a Paridade do Poder de Compra, a China ocupa a primeira posição, com US$ 24,143 trilhões, os Estados Unidos fica em segundo, seguidos por Índia, Japão, Alemanha, Rússia, Indonésia e o Brasil em 8°, com US$ 3,154 trilhões. Por esse critério, a China superou os americanos já em 2017. O que ocorre, conforme Paiva, é que a China desvaloriza sua própria moeda para poder exportar mais. Disso decorre um enorme fluxo financeiro, depositados em dólar em bancos estrangeiros e paraísos fiscais, que está sempre muito acima da capacidade de investimento no setor produtivo. Ao longo dos anos, o país asiático multiplicou seu PIB, passando de 3,16%, na década de 1980, para 19,37%. No mesmo período, o PIB brasileiro caiu de 4,02%, em relação ao montante mundial, com previsão de 2,28% até 2026.
De acordo com o palestrante, a mudança na hierarquia das grandes potências econômicas mudou o padrão mundial. “É como se tivéssemos retornado aos tempos da hegemonia britânica. O Reino-Unido sempre foi um grande demandante de alimentos e matérias-primas. E um ofertante de bens industriais. Os EUA inverteram a ordem: eles são grandes produtores e exportadores de alimentos. Durante a hegemonia americana, só restava uma alternativa aos países da periferia: industrializarem-se. A China fez a roda da história virar mais uma vez. E está re-agrarizando e re-mineralizando boa parte do mundo. Sua fome de commodities é insaciável. E o Brasil é pródigo em produzi-las. Sob a batuta chinesa, o preço das commodities explodiu.”
O resultado, segundo Paiva, é que a China compra muita soja, minério de ferro e enche o país de dólar. “Quanto mais dólares recebemos, mais o banco central faz reservas e mais ele pode administrar a inflação, soltando reservas para baratear o dólar e fortalecer as importações. Quando isso acontece, compramos mais de fora e o impacto é sofrido pela indústria”, explicou. Hoje o Brasil é o maior exportador de soja do mundo, com duas safras de verão por ano.
Essas mudanças impactaram fortemente o Rio Grande do Sul, em especial a cadeia coureiro-calçadista. Entre 1997 e 2002, o setor era responsável por 27,84% das exportações gaúchas. De 2011 a 2019 esse número despencou para 5,87%. Já o envio de produtos primários, oriundos da agricultura e pecuária, cresceu de 42 para 63% no mesmo período. A soja, com 23,87%, supera a exportação de toda indústria metal mecânica e os demais segmentos seguem deprimidos. Isso fez com que Novo Hamburgo também perdesse espaço na composição do PIB gaúcho. Dentre as alternativas, o professor destaca a adaptação de todo o cluster calçadista, que inclui indústrias de máquinas, papel, química, tecnologia, para produtos que atendam também a demandas atuais. “Não se trata de negar o passado, mas de realizar a adaptação necessária ao presente e ao futuro que já está perfeitamente anunciado. Para isso, é preciso coordenação, concerto (com c!) e ação do setor público para dar conta da readequação da cadeia”, pontuou.
Membro do Instituto do Trabalho, Indústria e Desenvolvimento (TID) Brasil, que trata da revitalização da indústria brasileira, Ricardo Franzoi, acredita em uma globalização que esbarrou nos limites dados pela incompatibilidade entre arranjos produtivos internacionais e nas consequências de uma nova rodada de revolução pela qual passam os avanços tecnológicos e o trabalho. “Essa recuperação pós crise sanitária, demonstra um aprofundamento das desigualdades como a mais clara expressão do fracasso do mercado. Precisamos pensar alternativas para resolver essas desigualdades. Somos, Paiva e eu, de uma corrente desenvolvimentista. Diferente daqueles que buscam apenas o crescimento. Por isso destaco a importância do planejamento e de termos uma política industrial.”
Conforme Franzoi, não se pode pensar em um Estado mínimo, que deixa tudo para o mercado resolver. Há de se fortalecer o consumo interno, porque hoje as empresas sofrem por falta de demanda e a única saída é a exportação. “Se olharmos para o PIB do RS, há estimativa de crescimento em torno de 5%, no entanto a taxa de desemprego cresceu. É uma questão que temos que pensar.”
Sobre emprego, o debatedor diz que a indústria calçadista ainda acolhe 32% da mão de obra formal no Brasil, e o Estado possui 87 mil assalariados no setor, apesar da migração das fábricas para o Nordeste do país. “Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), Novo Hamburgo tem ainda 7,8 mil empregados no setor. Em relação aos valores dos pisos, nos primeiros quatro meses do ano, 10% desses trabalhadores receberam R$ 1,1 mil, ou seja, um salário mínimo. E a média é de R$ 1,3 mil.” O administrador questiona como uma indústria que existe há tanto tempo e é tão importante para o desenvolvimento gaúcho paga um salário tão baixo. E diz que é preciso refletir se o trabalhador consegue comprar aquilo que ele mesmo produz. Assim, acredita que os sindicatos precisam se envolver na construção e discussão de políticas industriais para se construir postos de trabalhos mais qualificados. Sobre as reformas, trabalhista e da previdência, cita os mais de 30 milhões entre desempregados e pessoas em idade produtiva que não estão buscando trabalho, números aprofundados por essas mudanças.
Para que o país não se transforme em um grande fazendão, Franzoi considera que é preciso seguir o exemplo de municípios que conseguiram transformar sua produção agrícola em produtos com valor agregado, “É possível termos uma política industrial, que se conecte a um projeto econômico da região. O Paiva trouxe informações importantes de como fazer isso. Entretanto, precisamos olhar também para habitação, distribuição de renda e desenvolvimento social e propor políticas que transformem não só a indústria, mas a região como um todo.” Ele lembra ainda que a agricultura tem crédito abundante, taxa de juros subsidiada e outros favorecimentos que precisas ser estendidos à indústria.
Conforme Carlos Paiva, não existe um único fator para definir a trajetória de uma economia de extrema complexidade como a brasileira. Mas hoje, o Estado investe pouco ou quase nada, as famílias estão desempregadas e depauperadas. Se não existe demanda, as indústrias também não investem. Não há mercado interno e a única opção é vender lá fora, mas isso não é a melhor opção para o Brasil porque a China produz tudo, ela só demanda o que ela precisa, como minérios, petróleo e alimentos. Essa desindustrialização do país impacta diretamente o Vale dos Sinos.
Por fim, o economista destacou a necessidade de um diagnóstico para identificar as fraquezas, com objetivo de projetar correções, e o que há de mais forte no sistema. E sugeriu a criação de câmaras setoriais para análise das empresas e para discutir com o empresariado o projeto de desenvolvimento. Para ele, a universidade tem papel fundamental nesta construção, porém precisa pesquisar colocar os pés no chão e pesquisar o que é importante para a produção local.
Ao encerrar o debater, o mediador Gabriel Grabowski ressaltou a participação do público, com envio de muitos questionamentos e comentários. “Isso mostra que um dos objetivos do seminário foi atingindo, que é justamente o debate e a reflexão. Desta forma conseguimos coletivamente ter leituras sobre esta realidade complexa.”
Sobre o Seminário
O III Seminário de Desenvolvimento Econômico será composto por seis lives. Os encontros acontecerão de 10 de agosto a 2 de setembro, terças e quintas, sempre às 19h. As inscrições podem ser feitas no portal da Câmara de Novo Hamburgo - Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da Escola do Legislativo. Para receber certificado é necessária inscrição prévia, que só poderá ser realizada após cadastro no AVA. É possível participar enviando comentários e dúvidas aos debatedores por meio do chat na transmissão pelo Youtube. Confira aqui mais informações e a programação.
Saiba mais sobre as edições de 2018 e 2019 do Seminário de Desenvolvimento Econômico de Novo Hamburgo.