Audiência pública sobre o Marco Legal do Saneamento Básico e a Comusa debate metas, investimentos e alternativas
Além de ser debatido por vereadores, o assunto foi tratado na noite desta quarta pelo Secretário do Meio Ambiente de São Leopoldo e presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio do Sinos (Comitesinos), Anderson Etter; pelo diretor-geral da Comusa e vice-prefeito de Novo Hamburgo, Márcio Lüders; pelo advogado, especialista em Direito Público, concessões e PPPs, Mateus de Farias Klein; e pelo presidente do Conselho de Economia do Rio Grande do Sul (Corecon), Mário de Lima. A participação da comunidade se deu no chat do canal da TV Câmara no YouTube, por meio do qual os telespectadores puderam acompanhar a transmissão assim como pela Claro/Net. O presidente da Casa Legislativa, Raizer Ferreira (PSDB), abriu os trabalhos, sendo a condução da audiência prosseguida por Finck. Estiveram presentes os parlamentares Brizola, Lourdes Valim, Felipe Kuhn Braun, Gerson Peteffi (MDB), Tita (PSDB) e Ito Luciano (PTB).
- Confira na íntegra a audiência.
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Primeiro a ocupar a tribuna e munido com o livro A Água é Nossa – O Legado pela Municipalização, obra sobre a Comusa, Brizola recuperou brevemente o histórico da autarquia e destacou o artigo 247 da Constituição Estadual que garantiu o serviço público de saneamento como essencial à população e não sujeito a ser objeto de monopólio comercial.
Na sequência, Brizola afirmou que a luta por manter esses serviços sob o guarda-chuva da municipalidade não tem viés ideológico. “Não é uma pauta da esquerda. Inclusive, recentemente uma votação no Congresso sobre a privatização da Eletrobrás teve os votos contrários de deputados de direita da nossa região. Esse debate é de todos”, acrescentou.
O vereador petista pontuou ainda que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e participativa, assegurando a opinião da sociedade nos processos decisórios, assim como foi no passado, durante a luta pela municipalização. Ele disse que a presença da população neste debate de forma presencial só não ocorria em virtude da pandemia, mas que, sem dúvida, teria lotado o plenário da Casa devido ao interesse que o assunto desperta.
Para Brizola, ao sancionar o novo Marco Legal do Saneamento Básico, o governo federal permitiu a mercantilização e privatização do serviço, atendendo com isso os interesses de grandes grupos econômicos. “A água não pode estar nas mãos da exploração privada. Façamos os investimentos necessários e a Comusa e a Corsan darão conta de atingir as metas estabelecidas para 2033”, destacou.
Em seu pronunciamento, Mateus Farias Klein revisitou alguns conceitos do Estado, que passou por três momentos distintos: patrimonialista, burocrático e, por fim, regulatório e fiscalizador. Ele explicou que a Constituição de 1988 fez uma readequação do papel do Município perante a União, tornando-se o titular do serviço de saneamento, o que foi ratificado pelo Marco Legal do Saneamento Básico. Klein falou sobre as diferenças das privatizações, concessões e parcerias público-privadas (PPPs). As duas últimas não significariam alienar ativos do Estado, conforme afirmou. “Tu realizas a concessão de determinado serviço por um período mediante uma contrapartida, como investimentos na área, tendo o direito de explorar o serviço por um espaço de tempo, amortizando investimentos. E, ao final do contrato, devolverá aquele ativo para o Poder Público”, comentou.
Klein explicou ainda que o marco do saneamento foi instituído em 2007, época na qual se estipulou uma série de serviços contemplados – distribuição e tratamento de água, a coleta e tratamento de esgoto, drenagem, limpeza urbana e os resíduos sólidos –, e sua atualização ocorreu em 2020. “A questão da água em si, das nascentes, isso não pode ser privatizado, sempre vai ser um bem público do Estado. Agora, para a distribuição e o tratamento, sim, podem ser feitas concessões e parcerias público-privadas para a exploração do serviço.” De acordo com ele, a atualização trouxe a iniciativa privada a participar dos investimentos para o alcance das metas, previstas no Plano Nacional de Saneamento Básico, de 2011. Pelo fato de os percentuais estipulados não terem sido atingidos, foi necessário atualizar o marco para gravar na legislação essa imposição de disponibilizar saneamento para toda a população. “Há um cálculo de que são necessários mais de R$ 753 milhões para se atingir a universalização no país”, informou, acrescentando que o valor inviabiliza investimentos exclusivamente públicos devido à falta de recursos.
Por fim, ele tratou da possibilidade de regionalização dos serviços oportunizada com a atualização do marco, com a criação de blocos para a atração de investimentos. “A Corsan atende mais de 317 municípios no Estado e necessita de R$ 10 bilhões para atingir as suas metas. Só na área de esgoto o valor chega a R$ 6 bilhões. Ela vai, sim, precisar do setor privado”, disse, complementando que investimentos no mercado financeiro e economia resultaram em menos de R$ 1 bilhão para a estatal, situação que ilustra a dificuldade de se alcançar sozinha o montante.
Anderson Etter contou que por quatro anos trabalhou na Comusa e, por isso, conhecia a eficiência e a qualidade técnica do quadro de servidores. Sobre a complexidade e importância do tema, o secretário afirmou que será ainda por um longo tempo discutido, sendo este o início do debate do assunto na Casa e na cidade.
Assim como Brizola, o presidente do Comitesinos fez um resgate histórico como a questão do saneamento foi tratada no país desde a década de 70, quando foi instituído o Plano Nacional de Saneamento, o Planasa, que naquele momento direcionava o setor para a constituição de companhias estaduais da forma que existe no Rio Grande do Sul, com a Corsan. “De 1985 a 2007, esse setor viveu um lapso temporal, um vazio, um período obscuro em que a União não direcionou os esforços, não se teve uma legislação, um marco regulatório que pudesse observar os investimentos que são necessários”, falou.
Etter afirmou que, com a criação do Ministério das Cidades, conhecido como a Casa do Saneamento, tornou-se mais acessível para as operadoras o contato com o Estado brasileiro, possibilitando a partir de 2007 o planejamento dessas questões também por conta do Marco Regulatório, estabelecido pela Lei nº 11.445/2007, que já mencionava a opção por um serviço autônomo, delegado ao estado, de concessão e até mesmo privatização. “Quando falamos em planejamento, falamos em instituição de políticas de saneamento, a cidade de Novo Hamburgo, certamente, no Estado do Rio Grande do Sul, destaca-se diante das demais ao tomar a decisão de ter a sua própria prestadora de serviço, saindo da fragilidade do serviço que vinha sendo prestado pela Corsan.
Para Etter, a Lei 14.026 faz um pleno direcionamento para que as estruturas públicas sejam transferidas para a iniciativa privada. Segundo ele, ao ampliar o debate, é importante ver o que ocorreu em outras partes do mundo. Citou, então, as experiências com a privatização em outros países, que, segundo ele, mostraram-se fracassadas, tais como Berlim, Paris e Buenos Aires. E refutou as comparações com o setor de telefonia, que deixou de ser estatal, devido às diferenças na natureza dos serviços.
Presidente do Corecon, Mário de Lima informou que, em 2018, concluiu o doutorado em Economia, analisando as políticas públicas ambientais relacionadas à gestão das águas na região metropolitana de Porto Alegre e das cidades de Londres e Paris. Para ele, um dos problemas do debate é que está sendo feito em um ambiente municipal quando deveria ser realizado amplamente, pois as decisões locais podem impactar nos outros municípios. “O Município não é dono da água, a Bacia Hidrográfica, sim. Essa é uma das características principais na França, Inglaterra, e, em especial, na Alemanha, em que toda política pública ocorre a partir da água, não só um insumo produtivo, mas sendo considerado como a base do planejamento.
Lima, que entende a participação da iniciativa privada nesse contexto como importante, trouxe números da realidade em Novo Hamburgo com base no Atlas Esgoto, da Agência Nacional das Águas. Segundo os dados, 7,8% não tem coleta e nem tratamento; 34,8% formado por soluções individuais (fossas); com coleta e sem tratamento são outros 54,8%; e ainda 2,6% com coleta e tratamento. Conforme informações repassadas por ele, o Município precisaria de R$ 100 milhões para fazer coleta de esgoto, e outros R$ 57 milhões para o tratamento com base nos percentuais citados anteriormente. Para a universalização seriam precisos investimentos de R$ 14 milhões e 272 mil a partir do ano que vem, apontou o painelista. "Novo Hamburgo tem volume para realizar esse investimento por ano com recursos próprios?", questionou.
Ao ter a oportunidade de falar, Márcio Lüders buscou tranquilizar os servidores da Comusa, afirmando que a audiência versava sobre a adequação do novo marco regulatório, e que o futuro da autarquia não estava em jogo. “Os servidores ficaram um pouco preocupados com o título da audiência. Acreditavam que a gente estaria fazendo uma audiência deliberativa para daqui um pouco haver uma concessão ou privatização. Eu tenho certeza que não foi esse o objetivo dos vereadores, mas sim de trazer o debate sobre esse importante tema para poder avançar tendo em vista que estamos sob a égide do novo marco regulatório”, afirmou.
De acordo com ele, quanto ao cumprimento das metas na questão do fornecimento de água, Novo Hamburgo já estaria de acordo com o que será exigido, pois entrega água potável a 98% da população. “Com relação ao esgoto, nós estamos com a recuperação dos valores que tínhamos perdido para a construção da estação de tratamento de esgoto do Arroio Luiz Rau. Nós estamos em fase final, faltam algumas adequações junto à Fepam para a gente colocar a licitação na rua e efetivamente construir essa importante estação de tratamento, que elevará o esgoto tratado para mais 50%”, explicou.
Ele discordou dos números apontados pelo economista Mário de Lima quanto aos percentuais de esgoto tratado. Segundo Lüders, está sendo realizado levantamento da quantidade de unidades com fossa e filtro na cidade, aceito inclusive pelas agências de regulação e companhias como sistema de esgoto eficiente. “Existe, sim, a possibilidade de considerar esses números dentro do montante do que é tratado na cidade”, afirmou, citando Cambará do Sul, que utiliza exclusivamente esse método e é considerado 100% tratado, sem ter nenhuma estação de tratamento de esgoto. Ele informou que ao serem computados esses números haverá aumento considerável no percentual atual de 7,2% de Novo Hamburgo. Para ele, o Município até 2033 tem condições de atingir a meta nesse quesito, não descartando a possibilidade de PPPs futuras para se atingir os 40% necessários para se alcançar o patamar estipulado. Ele lembrou que com o advento do novo marco não há mais possibilidade de buscar principalmente nos bancos públicos financiamento para saneamento.
“Não é possível que a gente aceite essa condição de ter ainda esgoto a céu aberto no centro de uma cidade, como Novo Hamburgo, como São Leopoldo, como Porto Alegre. Não é razoável que em 2021 isso ainda aconteça”, declarou, comparando a uma realidade comum na Idade Média. Para resolver essa situação, destacou não haver outra alternativa sem a possibilidade de financiamento público senão buscar parceiros no mercado, havendo regulação adequada e planejamento.
Raizer falou sobre os investimentos ao longo dos últimos quatro anos e meio feitos pela Comusa e os benefícios como serviço público que a autarquia entrega à população. Ele parabenizou Lüders e servidores que tornam possível a prestação desse trabalho. Assim como os demais, declarou ser apenas o começo de um debate devido à complexidade do tema. Afirmou ter várias ressalvas à privatização e PPPs em relação ao serviço de água. "Não vamos abrir mão desse bem público facilmente, desde que isso seja muito bem regulado para que possa estar na mão da iniciativa privada. A quanto as nossas tarifas vão chegar, o quanto de social vamos conseguir entregar", questionou.
Ao voltar a tribuna, Brizola leu uma carta dos funcionários da Comusa (confira a íntegra do documento), indicando haver recursos para os investimentos futuros desde que a autarquia deixe de fazer o repasse de R$ 3 milhões para o Município para o pagamento de dívida junto à Corsan, não havendo justificativa financeira para possível privatização da autarquia.
Entre os questionamentos direcionados pelos participantes via chat, estava a indagação de Roger Machado sobre a estimativa de investimento em saneamento básico para adequar o município ao marco regulatório. Lüders respondeu tratar-se de cerca de R$ 110 milhões para se atingir 100% do esgoto tratado em Novo Hamburgo.
Ao encerrar o debate, Finck afirmou que a audiência não é para fortalecer ou indicar PPPS ou concessões, trata-se de um ciclo de inúmeros debates que serão feitos no Município. “É uma proposição do Legislativo para dar início a esses diálogos tão importantes para o futuro, não só da Comusa, mas de toda a cidade”, complementou, afirmando a importância da participação dos servidores da autarquia no próximo encontro. Sugeriu ainda que o Executivo siga essa discussão com a comunidade.
Comissões especiais
Previstas pelo Artigo 77 do Regimento Interno da Câmara, as comissões especiais do Legislativo hamburguense são constituídas para analisar matérias de relevância, podendo encaminhar a convocação de secretários municipais e diretores de autarquias, bem como promover audiência pública. Os grupos são compostos por, no mínimo, três membros, observando, sempre que possível, a proporcionalidade partidária. Com prazo determinado de encerramento, as comissões especiais são concluídas com a apresentação de relatório ou projetos de lei, resolução ou decreto legislativo.