Programa Família Acolhedora deve complementar modalidades de acolhimento de crianças e adolescentes em Novo Hamburgo
A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara, canal 16 da Claro/Net, e também pelo YouTube da emissora – onde o debate pode ser assistido novamente. As vagas no plenário foram restritas a 40 devido à pandemia do novo coronavírus. O evento reuniu, além dos vereadores proponentes da ação, Enio Brizola (PT), Lourdes Valim (Republicanos) e Semilda dos Santos – Tita (PSDB), diversas autoridades envolvidas com a temática, como Andiara Zanella, conselheira tutelar da Microrregião 2; Andreia Herminia Alliatti, segunda promotora de justiça da Promotoria de Justiça Especializada de Novo Hamburgo; Angela Martini, juíza de direito do Juizado Regional da Infância e Juventude; Eliton Ávila, secretário municipal de Desenvolvimento Social; Fernanda Luft, procuradora-geral do Município; Helio Feltes Filho, advogado; Madalena Regina Soares, conselheira tutelar da Microrregião 1; Deisi Sartori, defensora pública da Vara da Infância e Juventude; e as deputadas estaduais Sofia Cavedon Nunes (PT) e Zilá Breitenbach (PSDB).
Proponentes da ação
Secretária da Codir, a vereadora Lourdes Valim destacou que a noite reflete a preocupação com as crianças de Novo Hamburgo. “A importância do acolhimento pelo poder público e pela própria sociedade é um tema muito importante. Visitei muitos locais onde entidades e associações realizam essa atividade. E percebemos que essas crianças e adolescentes precisam de atendimento especial, muito carinho e atenção dos profissionais que nelas trabalham. Estamos juntos nesta causa”, apontou.
A relatora da Comissão, vereadora Tita, trouxe dados do Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual mais de 30 mil crianças estão em situação de acolhimento no Brasil e apenas 5% deste total, aptas para adoção. “O aumento dessa demanda na nossa cidade demonstra a importância de se debater medidas de proteção integral das crianças e adolescentes, tanto pelo poder público quanto privado”, defendeu.
Enio Brizola, presidente do grupo, enfatizou que o debate acontece em um momento de fragilidade da democracia. “É nesse cenário que um dos maiores sistemas de proteção social encontra-se: desmantelado, com profundos cortes desde a instalação da Emenda Constitucional 95, que promoveu o desfinanciamento e a não priorização do Sistema Único de Assistência Social (Suas), o que afetou a quantidade dos serviços socioassistenciais e ocasionou a diminuição dos atendimentos nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) em cerca de 50%".
Também é importante destacar, defendeu Brizola, que a audiência pública tem sua motivação no episódio envolvendo a Casa de Acolhimento Cecrife Querubim que, a partir de 1º de julho deste ano, foi reordenada para Casa-Lar Aevas – Associação Evangélica de Ação Social. O parlamentar apontou que a comissão não tinha a pretensão de estabelecer um debate em que se busque a defesa de uma ou outra modalidade como melhor, única e mais adequada. Ele enfatiza, porém, que atualmente a pobreza aumenta no Brasil com muita velocidade e que a mudança de uma cultura de acolhimento, que tem suas raízes históricas na institucionalização de crianças e adolescentes, e a criação de novas medidas de proteção, não é um processo rápido. “Acreditamos que seja importante considerar que qualquer discussão sobre um novo sistema de acolhimento leve em conta a participação social dos operadores do sistema Suas e do controle social para a efetiva busca de reconstrução familiar, assim como dos preceitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, defendeu o parlamentar.
Mesa de trabalhos
A deputada Zilá Breitenbach encaminhou a sua posição através de um vídeo que foi passado no plenário. “Temos de fazer um trabalho forte em todas as instâncias de poder para evitar que as crianças e os adolescentes sofram de tantas violências, como estamos vendo. Falamos de feminicídio e de violência contra idosos, que aumentaram muito durante a pandemia, mas temos crianças que sofrem e não têm onde denunciar. Não podemos esperar o fato acontecer, precisamos prevenir. E percebo na Câmara de Novo Hamburgo vereadores atuantes”, disse. Ela relatou algumas experiências sobre as modalidades de acolhimento. “Temos, como políticos, que avaliar e visitar as nossas casas acolhedoras. Como estão as crianças acolhidas pela iniciativa privada, pública, pelas ONGs? Como é a sua vida e como são tratadas nesses lugares? Elas são colocadas para adoção? Fazemos alguma ação nesse sentido? Quanto mais idade uma criança tem, mais difícil é esse processo”, refletiu.
A deputada Sofia Cavedon Nunes participou do debate de forma remota e também falou sobre o Suas e a ideia da universalidade do atendimento social a todos os vulneráveis do Brasil. A parlamentar destacou a generosidade da Constituição Federal, que traz, segundo ela, um importante pacto social, e criticou a Emenda Constitucional 95. Para Sofia, o fundamental é o diálogo, porque acredita que não há uma forma única de fazer acolhimento. “Temos uma gestão compartilhada entre os poderes e as instâncias de governo. Mas precisamos da condução das políticas públicas e de sua fiscalização”, disse.
A procuradora Fernanda Luft destacou que o Família Acolhedora tem um viés diferente das casas-lares. A ideia, segundo ela, é que os menores permaneçam em acolhimento por até 18 meses e depois consigam voltar à família de origem ou ser adotadas. “As famílias têm de passar por cadastro, psicólogos, assistentes sociais, têm de ser capacitadas. E o programa é fiscalizado todos os dias pela equipe técnica. As crianças também tem de ser preparadas para o desligamento. É um programa muito bem pensado, mas que devemos aceitar culturalmente. Uma criança pequena ou adolescente estará mais acolhida em uma família, com tratamento individualizado para que sinta o amor, e não o abandono, que já estava tão presente. Os municípios já têm casas-lares, já têm abrigos, e agora temos este projeto – que vai passar para a Câmara depois desta audiência, mas que, certamente, precisa ser muito bem fiscalizado”, explicou.
O advogado Helio Feltes Filho mencionou que participa da audiência como defensor da causa das crianças e dos adolescentes e que não representa uma entidade ou sociedade civil. “Esta audiência foi motivada em função da situação da Cecrife. Mas temos muitas dúvidas em relação às políticas públicas de acolhimento que serão adotadas pelo Executivo. Em função do edital nº 19, publicado pela Secretaria de Desenvolvimento Social, e do projeto de lei que será apresentado à Câmara, fica claro que a política pública que será adotada pelo Município será a Casa-Lar e a Família Acolhedora, e não mais os abrigos. Temos uma mudança na política pública. Não nos parece que uma modalidade seja melhor do que a outra. Elas são complementares e podem coexistir, com estratégias de atendimento diferentes. Temos de fazer uma reflexão sobre isso e os tipos de atendimentos que demandamos", acrescentou.
O secretário Eliton Ávila falou sobre as modalidades de acolhimento e agradeceu o trabalho realizado pelos educadores sociais e todos os profissionais que atuam e procuram zelar pelas crianças e adolescentes. “Respeitamos a história e o legado de cada entidade e queremos adiantar que vamos permanecer com a modalidade abrigo dentro das demandas que nos chegam”, afirmou.
Segundo o secretário, as casas-lares terão seus serviços ampliados, prezando o bem-estar das crianças e dos adolescentes de forma integral. “Essa decisão é uma construção coletiva feita com os técnicos, que se dedicaram para estudar as políticas do Suas, sempre dialogando com o Ministério Público, a Defensoria, o Conselho Tutelar, a Promotoria. Não tomei nenhuma decisão sozinho, ouvimos as pessoas credenciadas no assunto”, disse.
Sobre o Programa Família Acolhedora, ressaltou que é uma alternativa de serviço público criada após a Segunda Guerra Mundial como opção aos abrigos, e que começou a ser debatida no Brasil na década de 1990, ganhando força. Citou a cidade de Cascavel, no Paraná, como exemplo bem-sucedido para toda a América Latina. “Sem desmerecer o trabalho em grupo, mas, com o acompanhamento familiar, segundo estudos de psicólogos, o processo de evolução de uma criança/adolescente é muito mais rápido”, mencionou.
Ele contextualizou que Novo Hamburgo, que antes sofria com a superlotação, agora tem 175 vagas nas modalidades existentes e 166 menores acolhidos. O secretário afirmou que não será o valor ou o orçamento que decidirá sobre a melhor modalidade de acolhimento, mas a importância das crianças e adolescentes para uma sociedade. “São o presente e o futuro, carinho, atenção, amor. Precisamos ter empatia e passar a esperança de dias melhores em um mundo tão conturbado e desigual. A nossa ideia não é romper com nenhuma modalidade, mas trazer uma adicional, através de um projeto-piloto, com 15 crianças”, esclareceu.
A conselheira Andiara Zanella salientou que o Conselho Tutelar é um órgão de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes e que o acolhimento institucional só deve acontecer quando o menor é vítima de alguma violação de direito. Ela defendeu o fortalecimento da base familiar e destacou que, quando uma criança ou adolescente é acolhida, cabe aos conselheiros fiscalizar para que não sejam submetidos a uma situação de vulnerabilidade igual ou pior ao que viviam com a família biológica. Ela indagou se, com a implementação do programa Família Acolhedora, o menor vai ter a carência suprida. “Nas outras modalidades, temos um investimento de R$ 2,6 mil por pessoa. Já a Família Acolhedora receberá um salário-mínimo. Questionamos se isso será suficiente, em virtude de tudo o que demanda uma criança, já que é menos do que recebe uma instituição”, disse. A conselheira Madalena Regina Soares também destacou os pontos positivos e negativos do Programa Família Acolhedora.
A promotora Andreia Herminia Alliatti ressaltou estar muito feliz com as falas realizadas durante a audiência e que vêm ao encontro dos preceitos da Constituição Federal e do que há muito tempo vêm sendo debatido. “Em 2017, fomentei um projeto sobre as famílias acolhedoras. Temos de fazer logo a implantação deste programa porque uma modalidade de acolhimento não exclui a outra. O acolhimento é excepcional, a última hipótese, e o menor deve ficar o mínimo de tempo possível nesta situação, porque é traumática, mas é necessária para tirá-la de uma situação de risco. Segundo o Eca, o acolhimento deve durar no máximo 18 meses”, disse.
Ela apontou que a inserção das crianças e dos adolescentes em um núcleo familiar trará muitos benefícios e que cabe ao Município oferecer acompanhamento semanal com equipe técnica especializada a essas famílias e também às famílias biológicas – para que o menor possa ser inserido novamente em sua base. Aliado a isso, defendeu um Creas e um Cras bem estruturados. “Que a família acolhedora seja uma medida protetiva e que não cause mais sofrimento para uma criança que já passou por tanta violência e negligência”, salientou.
A juíza Angela Martini falou sobre o artigo 227 da Constituição Federal, que preconiza como direito fundamental à criança e ao adolescente o convívio familiar e comunitário. O ECA, segundo ela, reprisa esse artigo. Ela entende que nem todas as crianças podem permanecer em suas famílias de origem para desfrutar dessa convivência. Então, são acolhidas com uma história carregada de violação de direitos, abusos, violência, abandono e negligência. “O acolhimento deve ser um local de proteção e, nesse sentido, o familiar se tornou preferencial ao institucional. Nós temos mais de 10 anos de uma previsão legal para a implementação deste programa, e aqui, em Novo Hamburgo, ainda não é realidade. O acolhimento institucional não deve acabar, porque temos necessidades e demandas específicas, mas é imprescindível que possamos cumprir o Eca. E não cumprir por cumprir, mas porque é bom, constitucional e vem atender ao dispositivo que assegura a convivência familiar e comunitária”, disse. Conforme a juíza, a Coordenadoria da Infância e Adolescente trabalha para que as comarcas possam dialogar sobre a implantação do programa. Ela aponta Santo Ângelo, onde afirma que o Família Acolhedora está muito bem instituído, e as comarcas de Pelotas e Porto Alegre como exemplos. “Uma família é capaz de fazer uma ressignificação de afetos, trazer referências seguras e duradouras para que esses seres humanos possam se desenvolver plenamente”.
Deisi Sartori, defensora pública da Vara da Infância e Juventude de Novo Hamburgo, manifestou apoio ao Família Acolhedora. “Nossa intenção é que se garanta o direito à convivência familiar, mas, quando isso é inviável, que se dê a proteção da melhor forma possível. Para além da proteção ser institucional ou familiar, precisamos reforçar o atendimento anterior com o fortalecimento da atenção básica, da saúde e da educação para as famílias biológicas. É um trabalho em conjunto para garantir o atendimento dos direitos fundamentais”, disse. A defensora observou que, muitas vezes, o problema da criança, e um possível acolhimento, seria resolvido se uma mãe que é vítima de violência tivesse um atendimento correto.
O público presente e aqueles que acompanharam também pelo YouTube da TV Câmara realizaram diversos questionamentos às autoridades presentes. Além de fazer apontamentos sobre possíveis situações reportadas por servidores da SDS, o Coletivo Elza Soares utilizou o espaço para ler documento no qual exaltou o trabalho das equipes do Suas, Cras e Creas.
Assista na íntegra a todos os tópicos levantados pela audiência pública: