Prefeitura reafirma decisão de limitar acesso a turno integral na educação infantil
A política adotada pela Prefeitura de limitar a abertura de novas vagas de turno integral na modalidade creche junto às escolas de educação infantil apenas para comprovados casos de risco social havia sido divulgada pela secretária de Educação, Maristela Guasselli, em sessão ordinária no dia 1º de outubro. A medida objetiva aumentar a cobertura a partir da distribuição de vagas apenas para os turnos da manhã ou da tarde. Todas as crianças já atendidas em turno integral permanecerão nessa modalidade. Com as matrículas encerradas no dia 31 de outubro, a Smed efetua desde segunda-feira, dia 26, o sorteio das vagas existentes. De acordo com o edital, o processo se encerra no dia 3 de dezembro, contemplando todas as 12 microrregiões.
Maristela voltou a ratificar a necessidade de implantação da alternativa, visto a impossibilidade momentânea de ampliação de vagas. Ela recordou que há limitações legais para a quantidade de alunos a serem atendidos por cada professor, o que impede a abertura de vagas sem a contratação de profissionais e a inauguração de novos espaços educacionais. A secretária ressaltou que o Município tem trabalhado no intuito de ampliar a capacidade de acolhimento a novos estudantes. “Em 2017, inauguramos uma escola no bairro Primavera. Além disso, fizemos adaptações em outras quatro escolas, para acolhermos mais alunos em idade de creche, e assumimos uma escola, em comodato com o Sindicato dos Comerciários”, elencou, destacando ainda a compra de vagas em quatro instituições privadas.
“Essas ações fizeram com que ampliássemos 923 vagas em turno integral nos últimos dois anos. Porém, ainda ficamos com uma lista de espera de mais de 800 crianças, que permaneceram aguardando uma vaga durante o ano inteiro”, acrescentou. Maristela informou que as crianças que estavam em lista de espera garantiram vaga em meio turno sem a necessidade de passar pelo sorteio. Ainda de acordo com a secretária, as decisões tomadas pela Smed fizeram com que Novo Hamburgo atendesse 63% da demanda na modalidade creche, já acima da meta de 50% preconizada pelo Plano Nacional de Educação para 2024. Além disso, ela afirmou que a medida de limitar as vagas em turno integral foi tomada após consulta ao Juizado e à Promotoria da Vara da Infância e da Juventude.
“Gostaríamos muito de atender a todos em turno integral, mas entendemos que não seria justo que crianças ficassem sem a vaga. Gradativamente, voltaremos a conceder turno integral. Mas tomamos essa decisão para incluir o maior número de crianças possível”, salientou. A secretária ainda antecipou que a Prefeitura trabalha para outras ampliações nos próximos dois anos, com a previsão de novas escolas de educação infantil nos bairros Canudos, Operário e Santo Afonso – as duas primeiras em parceria com a construtora MRV Engenharia. “Também estamos buscando mais uma escola a partir do Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil)”, complementou.
Conciliação entre a escola do filho e o trabalho dos pais
O presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia (Coedu), Professor Issur Koch (PP), conduziu a audiência pública e abriu espaço para a fala de pais, vereadores e conselheiros tutelares. “Esta Casa tem a grande missão de intermediar conflitos entre a comunidade e o Poder Executivo, especialmente quando se trata de um assunto tão relevante”, pontuou. O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Defesa do Consumidor (Codir), Enio Brizola (PT), ressaltou que a Prefeitura precisa pensar novas alternativas para a educação infantil que não a exclusão do turno integral.
“Esse é um debate que fazemos há tempos aqui na Câmara. Diariamente recebemos demandas de pais aflitos, com a incerteza de onde seus filhos serão acolhidos. Mesmo que tenhamos construído diversas escolas de educação infantil nos últimos anos, temos ainda um gargalo enorme a ser superado. E é preciso lembrar que a educação é um direito universal. Não podemos ter cortes profundos no orçamento da educação. Não podemos cortar a construção de escolas. Precisamos ter o orçamento completo. Sou muito solidário aos trabalhadores, que sofrem também com a perda do auxílio-creche, após a recente retirada de direitos trabalhistas. Cada vez mais as mulheres serão obrigadas a voltar ao lar, porque em muitos casos o salário não será suficiente para pagar uma escola privada. É necessário que se estimule a criação de escolas comunitárias e a compra de vagas em instituições particulares”, destacou o vereador.
A vereadora Patricia Beck (PPS) atentou para parte da fala da secretária, quando ela sinaliza que vagas em turno integral serão garantidas para crianças em situação de risco social. A parlamentar, contudo, pediu que também sejam analisados casos de vulnerabilidade, o que, no seu entendimento, seria configurado inclusive quando um pai precisa abandonar seu emprego para ficar em casa com seu filho. “Talvez muitas mulheres deixarão de trabalhar, entrando para um grupo de vulnerabilidade social. Essa decisão me frustrou. Precisávamos que houvesse ao menos o diálogo. As pessoas que matricularam seus filhos não puderam registrar a alegação de que corriam risco de vulnerabilidade social e que precisariam do turno integral”, questionou.
Enfermeiro Vilmar (PDT) disse entender a legalidade das alterações propostas, mas discordou da medida. “A forma escolhida para contemplar um número maior de famílias não beneficiará a totalidade da nossa comunidade. Muitos pais não terão como buscar seus filhos. Alteraremos as rotinas das famílias, muitas das quais voltarão à situação de vulnerabilidade social. Pensem com carinho na possibilidade de os pais poderem escolher. Aí sim conseguiremos avançar”, considerou. Sergio Hanich (MDB) pediu a revisão do pacto federativo, que concentra quase 60% da arrecadação nos cofres da União, encaminhando apenas 18% das receitas para os municípios.
Representando os pais, a cidadã Daiana de Ávila compôs a mesa ao lado da secretária e dos presidentes das comissões e cobrou a revisão da decisão. “Entendemos que essa não é a solução, porque deixa nossas crianças desamparadas. Muitos dos nossos filhos não terão como participar de projetos importantes de escolas de reconhecida qualidade. Além disso, aumentará o número de crianças deixadas com crecheiras. Quem trabalha em outro município, como é o meu caso, não poderá buscar o filho durante o dia para levá-lo a outra instituição”, comentou.
Presente na plateia, Bianca Moreira apresentou abaixo-assinado com 5.640 manifestações contrárias ao meio turno. Ela expôs ainda a dificuldade para os pais que trabalham conseguirem manter seus empregos sem o turno integral. A também mãe Roberta dos Santos sugeriu a formação de uma comissão de pais para conversar com representantes do Judiciário, expondo a situação das famílias e iniciando um novo debate sobre o fato de que as necessidades nem sempre são contempladas, ainda que tudo esteja dentro dos ditames legais.
Morador do bairro Diehl, Luís Carlos Santos reclamou também dos horários de entrada e saída dos alunos, que divergem dos momentos livres das jornadas regulares de trabalho. “Só buscará a criança quem está em casa ou quem conta com o apoio de familiar”, apontou. Maristela respondeu que as escolas poderão estender o turno único de quatro para cinco horas, flexibilizando para a melhor necessidade dos pais. Luciana Machado argumentou que, ao conceder turno integral apenas para algumas pessoas, a Prefeitura já estará gerando uma desigualdade social. “Ou o direito é igual para todos, ou não é”, emendou.
Obtenção de turno integral
A vereadora Patricia Beck lamentou que a Smed não tenha incluído na ficha de solicitação de matrícula a possibilidade de os pais ao menos manifestarem interesse pelo turno integral, o que poderia servir como instrumento estatístico para os próximos anos. “Como a secretaria saberá quantas pessoas precisavam do turno integral, se elas não tinham direito a apresentar sua situação de risco ou vulnerabilidade social?”, indagou. Maristela contrapôs afirmando que as escolas foram orientadas a coletar essas manifestações e que muitas equipes diretivas encaminharam casos que se encaixavam nas exceções para o turno integral.
A conselheira tutelar Tassiana Wilborn levantou que costuma atender, além dos casos de vulnerabilidade social, muitas situações de violação de direitos que seriam melhor acolhidas com a oferta da vaga para manhã e tarde. “A escola é também um espaço de proteção. Entendemos que todos deveriam ter acesso ao turno integral, até porque a violência ocorre também na casa de pessoas com melhores condições financeiras”, relatou.
A secretária de Educação garantiu que os encaminhamentos feitos pelo Conselho Tutelar, bem como por outros órgãos de proteção, serão prontamente analisados por uma equipe da pasta e, se confirmada a necessidade, será concedido o turno integral. O conselheiro tutelar Nilson Torriano destacou que há uma ação civil pública vigente desde 2015 que obriga o Município a garantir turno integral a todas as crianças de 0 a 5 anos. “Orientaremos as pessoas que nos procurarem a buscar a Defensoria Pública”, antecipou.
Torriano afirmou ainda ter conversado com a juíza da Vara da Infância e da Juventude de Novo Hamburgo, Ângela Martini, que teria dito entender a ação da Prefeitura como uma maneira de filtrar os casos de manifesta necessidade pelo turno integral, e que esses pais que realmente precisam buscariam os meios legais. Maristela afirmou que o Município cumprirá todas as ordens judiciais que forem expedidas. “Essa é uma medida emergencial que tomamos para atender o maior número de crianças. Os municípios, grandes e pequenos, estão com muitas dificuldades para dar conta da demanda”, justificou.
“É importante que o gestor tenha em mente que a prioridade absoluta é a criança e o adolescente. Creio que deveria ser pensado neles antes de outros programas e projetos”, opinou Torriano. Daiana de Ávila disse ter ficado muito insatisfeita com o resultado da audiência pública. “Saímos sem nenhum norte”, sintetizou. Maristela concluiu reafirmando que, se verificado o atendimento a critérios quanto à definição de risco social, será concedido o turno integral. A secretária informou ainda o telefone de contato ao qual as famílias podem recorrer para solicitar a análise de sua situação. Os pais devem entrar em contato com o setor responsável pelas matrículas pelo telefone (51) 3594-9947. “Ampliaremos o máximo que conseguirmos”, finalizou.
O presidente da Coedu, Professor Issur Koch (PP) – que foi acompanhado por seus colegas de comissão, Gabriel Chassot (Rede) e Nor Boeno (PT) –, encerrou a audiência pública informando que será lavrada a ata da reunião, ficando disponível a todos os participantes. Além disso, ele pediu que cópia do documento seja encaminhada ao Ministério Público, para ciência dos apontamentos. Além da secretária Maristela, acompanharam a audiência pública o secretário de Desenvolvimento Social, Roberto Daniel Bota, o chefe de gabinete da prefeita Fátima Daudt, Lineo Baum, bem como servidores da Smed.