Plenário aprova relatório final da CPI do Transporte Público
Elaborado por Raizer, o documento final é avalizado pelo presidente da CPI, Inspetor Luz (PP), pelo secretário Enio Brizola (PT) e pela vereadora Lourdes Valim (Republicanos), que também compõe o grupo. Ao longo de 16 páginas, Raizer descreve desde os percalços enfrentados no processo licitatório do transporte coletivo até os problemas verificados já durante a nova operação dos ônibus, conduzida pela Viação Santa Clara (Visac-RS). O relatório, junto ao PR nº 2/2024, ainda passará por nova votação nesta quarta, 23, antes que a Câmara possa lhe dar os devidos encaminhamentos.
CPI
Criada no final de maio, a CPI do Transporte Público reuniu-se nove vezes para colher testemunhos de usuários do serviço, representantes sindicais e profissionais ligados à Prefeitura, à Companhia Municipal de Urbanismo (Comur), responsável pelo sistema de bilhetagem eletrônica, e à Visac-RS. Ao todo, 19 pessoas foram ouvidas. Os depoimentos estão todos disponíveis no canal da TV Câmara no YouTube, somando mais de 15 horas de transmissão.
Problemas na operação
Após discorrer sobre o processo licitatório que culminou na habilitação da Viação Santa Clara, o relatório detalha as dificuldades enfrentadas desde o início da nova operação, no dia 27 de abril. Entre os pontos destacados estão atrasos recorrentes, alterações de horários e trajetos sem prévio aviso e a má conservação de alguns veículos. “Esses problemas foram evidenciados por diversas testemunhas ao longo da instrução”, afirma o documento, que afasta a hipótese de que as adversidades tenham sido provocadas pelas enchentes de maio. “Passados os impactos dos temporais, os problemas na execução do serviço permanecem, estando evidenciado que não decorrem diretamente do evento climático, mas foram apenas agravados por ele”, prossegue o texto.
Falta de infraestrutura e número insuficiente de veículos
O relatório sublinha como principal causa para as falhas observadas a não implantação de microterminais de transbordo e integração que permitissem a “troncalização” do sistema. “Embora previstos no projeto básico, documento que embasa a realização de toda a licitação do TPC (transporte público coletivo), nenhum dos cinco microterminais previstos foram executados pelo governo. Permanece, como há décadas, um sistema repleto de linhas alimentadoras que desembocam em um único terminal central”, assevera o parecer da comissão.
O entendimento dos vereadores é de que a ausência das melhorias previstas durante a elaboração do novo sistema demandaria um aumento no número de veículos, o que não ocorreu. “A situação de estarem circulando menos ônibus que o devido levou a atrasos, alteração de trajetos e até mesmo cancelamento de linhas. Essas falhas de operação aconteceram sem nenhum tipo de aviso à comunidade, passando a ser rotina nos primeiros momentos da operação. Milhares de pessoas sofreram as consequências, muitas aguardando horas nas paradas sem conseguir usar o serviço”, continua o voto, que reconhece, porém, o esforço da Visac-RS em melhorar a situação ao longo dos meses. “Ainda há atrasos, mas não há mais reclamações de que o ônibus não passa”, ponderam os vereadores.
Deficit do sistema
A necessidade de que mais ônibus circulem para compensar a falta de infraestrutura gera outro problema: o aumento do custo da operação. “Esse custo, obviamente, precisa ser pago. E, atualmente, só há duas formas possíveis: cobrança de tarifa do usuário ou financiamento do sistema pelo concedente. Isso significa que o custo do atual sistema, ineficiente pela negligência do governo em entregar as obras de infraestrutura que ele mesmo previu, será por ele custeado? Ou esse custo será repassado ao usuário?”, questiona o relatório, que também aponta erros no dimensionamento do número de passageiros.
Em julho, 342 mil pessoas passaram pelas roletas, bem abaixo da projeção de 506 mil usuários mensais constante no edital. Para cobrir o desequilíbrio, a concessionária teria solicitado indenização à Prefeitura. Conforme apuração da comissão, a resposta do Executivo para cobrir os prejuízos financeiros dos três primeiros meses foi um pagamento de quase R$ 2,7 milhões. “Os valores da indenização, segundo a proposta do governo, sairão do Fundo de Mobilidade Urbana e Transporte. Porém, a origem dos recursos é a venda antecipada da bilhetagem. A solução é extremamente arriscada, pois cobre o prejuízo com dinheiro de passagens ainda não utilizadas. A tendência de que gere desequilíbrio no sistema é grande. Na verdade, o efeito é o de bola de neve”, temem os vereadores.
Encaminhamentos
Caso a Câmara confirme a aprovação do relatório final nesta quarta-feira, o inquérito será enviado ao Ministério Público para a adoção de eventuais providências legais e o acompanhamento da situação até que a operação atinja “níveis mínimos de qualidade”. Relator da comissão, Raizer Ferreira diz vislumbrar indícios de improbidade administrativa da secretária Roberta Gomes de Oliveira.
“O governo terá que apresentar soluções sobre como resolver essa questão sem aumentar a tarifa da população, já que os valores hoje já são bastante elevados. Senão, novamente a população arcará como prejuízo da ineficiência do governo”, sentenciam os membros da CPI, que pedem ainda providências imediatas para a construção da infraestrutura prevista no projeto básico da licitação.
Discussão em plenário
Além dos quatro vereadores que assinam o parecer, votaram a favor do relatório o progressista Cristiano Coller e os tucanos Felipe Kuhn Braun e Tita. Darlan Oliveira (MDB), Fernando Lourenço (Solidariedade), Ito Luciano (Podemos), Ricardo Ritter – Ica (MDB) e Vladi Lourenço (Podemos) posicionaram-se contra o projeto de resolução. Ausente, Gustavo Finck (PP) não votou, assim como o presidente Gerson Peteffi (MDB), que se manifestaria apenas em caso de empate.
“O problema não está resolvido. Temos menos reclamações, mas temos uma situação muito maior se vislumbrando: um deficit constante na operação do serviço que precisa ser resolvido. Não dá para seguir sacando do fundo. Daqui a pouco, não haverá mais dinheiro para pagar a prestadora, e a empresa terá que rescindir o contrato. E aí quero ver aonde chegaremos, com mais de 20 mil pessoas prejudicadas por um erro gravíssimo da Prefeitura”, reforçou Raizer Ferreira ao final da leitura do relatório.
Cristiano Coller parabenizou o trabalho da comissão, mas questionou a ausência de menção à prefeita Fátima Daudt. Raizer argumentou que, após consulta a juristas, ficou entendido que a responsabilidade direta é da secretária municipal.
Além de eventual improbidade administrativa, Enio Brizola salientou ainda um “flagrante desrespeito” ao direito do consumidor. “O maior prejudicado é o usuário, que precisou pagar outros meios para chegar a seu destino. Além, claro, do estresse e da insegurança gerados na população e nos próprios motoristas de ônibus, duramente afetados em sua saúde mental. Precisamos conter uma sangria maior para a próxima administração. E temos a responsabilidade de continuar debatendo e acompanhando este assunto”, afirmou.
Um dos vereadores contrários ao relatório, Fernando Lourenço explicou seu ponto de vista. “A CPI foi aberta menos de um mês após a empresa assumir o serviço. Era o início de uma operação que está se ajustando. E precisamos destacar que o Executivo teve coragem de fazer uma licitação que se arrastava há décadas”, pontuou o parlamentar.
A aprovação em primeiro turno
Na Câmara de Novo Hamburgo, os projetos são sempre apreciados em plenário duas vezes. Um dos objetivos é tornar o processo (que se inicia com a leitura da proposta no Expediente, quando começa sua tramitação) ainda mais transparente. O resultado que vale de fato é o da segunda votação, geralmente realizada na sessão seguinte. Assim, um projeto pode ser aprovado em primeiro turno e rejeitado em segundo – ou vice-versa.