Mulheres negras falam sobre desafios e lutas para acessarem espaços de poder
Ao longo da conversa, as convidadas relataram suas lutas para acessar espaços em suas áreas de atuação e o trabalho que desenvolvem para melhorar a vida de crianças e jovens pretos. Indiara é uma mulher negra de axé. Mestranda em Ensino de História pela Ufrgs e especialista em Educação Especial Inclusiva, é assessora técnica da Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo. Artista criativa, contadora de histórias e poetisa, coordena o projeto Pingos e Gotas de Luz do Centro Espírita de Umbanda Luz Divina, de Novo Hamburgo. Também é cofundadora do Coletivo de Profes Pretas. Já Vanessa, conhecida como Vavá, é mãe e psicoterapeuta holística. Ativista negra e cultural, é vice-presidenta do Conselho Municipal de Políticas Culturais e membra do Fórum dos Conselhos. É tesoureira do Psol Novo Hamburgo e atua também como oficineira no projeto social Sábado da Gente, da Sociedade Cruzeiro do Sul.
“Nós, feministas e antirracistas, desenvolvemos tecnologias sociais poderosas para formar a consciência do povo.” A frase, proferida pela doutora e filósofa Sueli Carneiro, foi usada pela mediadora, a jornalista Daniele Souza, para iniciar o debate e questionar sobre as ações utilizadas pelas convidadas no dia a dia para enfrentar o racismo.
Indiara citou a resistência como herança ancestral de famílias como a sua, que são numerosas e que deram origem a terreiros e aos clubes sociais negros. “Famílias estendidas em que se vive de fato a filosofia de que é preciso uma aldeia inteira para se educar uma criança. As tecnologias que a gente aprende nesses espaços e as filosofias ancestrais, o respeito ao próximo, o respeito ao mais velho e o respeito à natureza. Esse entendimento de mundo onde eu preciso te dar a mão para nós termos mais força juntas só pode ser definido como resistência. A resistência é ferramenta primordial para que nós possamos continuar ensinando o fortalecimento da nossa identidade e do nosso direito de estar no mundo.”
Vavá enalteceu o sentido de comunidade que existe especialmente nas periferias. “Essa palavra é usada porque é justamente onde as pessoas continuam tendo esse senso de resistir, acolher e viver em um bem comum. E esse é o grande ensinamento que nós podemos passar para as novas gerações: acolher e comungar todos juntos.”
Sobre interseccionalidade (opressões de gênero, raça e classe social), Indiara considera imprescindível analisar as situações pelas quais passamos diariamente. “É pensar em tudo o que nos atravessa. E isso passa também por esse direito de poder me identificar e falar de onde eu venho, como uma mulher de axé, que foi negado às minhas ancestrais. Os espaços onde eu circulo são motivações para manifestações e diversas formas de racismo, que pode ser muito subjetivo para quem vê de fora, mas que precisa ser observado cada vez mais por cada um e cada uma de nós.”
Para a educadora, que foi a primeira pessoa da sua família a concluir uma graduação, é preciso quebrar de vez o mito da democracia racial, o qual o país viveu por tantas décadas. Isso, no entanto, gera conflitos, pois cria a necessidade de discutir a temática do racismo e de implementar políticas públicas, como ocorreu há alguns anos. “As possibilidades de reparação histórica de tudo o que o racismo, o processo de diáspora e a escravidão fizeram com nossos antepassados nos ajuda a entender por que esse ódio tomou a proporção que ele tomou”, afirmou.
Vavá complementou dizendo que todos precisam ser antirracistas. “Uma pessoa branca pode alegar que não tem lugar de fala para abordar o assunto. Mas isso a impede de me dar a mão e combater o racismo comigo? Isso a impede de reagir quando vir uma pessoa sendo vítima de racismo?”, indagou.
Referente à ocupação de espaços políticos, Vanessa enfatizou a necessidade, não só dos partidos, mas de toda a sociedade dar apoio e acolhimento às mulheres, para que elas possam participar das discussões, tendo respeitadas suas necessidades como mães, por exemplo. Ela acredita ser fundamental ter esses espaços de conversa, como o que foi proporcionado pela Rede Lilás, para um assunto tão urgente. Também ressaltou a participação não só de mulheres, mas homens dispostos a ouvir.
Já Indiara disse estar muito feliz por exercer seu lugar de fala e ter esse lugar validado por outras mulheres potentes, por pessoas abertas a buscar esse processo de reconstrução no qual estamos todos os dias. “Somos racistas em desconstrução, machistas em desconstrução, frutos dessa sociedade. Então, espaços como este validam todas as dificuldades de uma trajetória de vida, de uma trajetória como professora na luta antirracista, e nos dão esperança de que nós consigamos mais espaços para poder celebrar e seguir criando vácuo para que outras mulheres possam subir e cada vez mais alcançar lugares de destaque”, finalizou.
Realizada em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura (Secult), a atividade contou com a presença do diretor de Cultura, Alex Lassakoski, da então procuradora especial da Mulher da Câmara, Semilda – Tita (PSDB), e da atual ocupante do cargo, vereadora Lourdes Valim (Republicanos). Ao final do evento, a coordenadora de projetos socioculturais da Secult, Roberta Cornely, destacou a importância de se promover debates como o que foi realizado na Casa das Artes e anunciou apresentação de um grupo de mulheres da Capoeira Ararirê Oxóssi.
Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial
A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966 em memória ao massacre de Sharpeville, ocorrido em 1960, em Joanesburgo, na África do Sul. Na ocasião, 20 mil pessoas faziam um protesto pacífico contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida sua circulação, mas a polícia do regime de apartheid agiu brutalmente, deixando 69 mortos e 186 feridos. Segundo a ONU, a data é considerada um marco na luta da população negra contra o racismo.
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