Comunidade lota plenário para debater situação do transporte público coletivo na cidade
A comissão é formada por Patricia Beck (PP), Fernando Lourenço (SD) e Vladi Lourenço (PP). O requerimento da audiência também foi assinado pelos vereadores Enio Brizola (PT) e Felipe Kuhn Braun (PDT).
Situação atual
Desde 13 de março de 2019, os serviços de transporte público coletivo em Novo Hamburgo operam por meio de contrato emergencial, até que a licitação seja concluída e uma nova empresa possa assumir o contrato. A procuradora-geral do Município, Fernanda Luft, usou a tribuna para fazer uma retrospectiva do processo licitatório. “Fazendo um estudo, tivemos uma surpresa. Nunca nenhuma licitação de transporte público em Novo Hamburgo deu certo. Em 2001, foi feito um processo licitatório que resultou nas empresas que são hoje as prestadoras de serviço." O contrato, segundo ela, foi assinado em 2002, mas sofreu liminar.
"Em 2009, por via judicial, foi determinada a nulidade do contrato. A partir daí, fez-se o primeiro contrato emergencial, o que ocorre até hoje. O Município contratou uma consultoria para fazer um estudo sobre o tema. Em 2011, novo edital foi lançado, com todas as tramitações normais, mas, por força do Tribunal de Contas do Estado (TCE), a licitação foi revogada. E, a partir daí, não se teve mais processos licitatórios. Em 2017, lançou-se edital, impugnado novamente pelo Tribunal. Para tentar ajustar os termos das licitações, foi realizado um trabalho conjunto com auditor do TCE. Publicado novo edital em meados de 2019, a licitação foi deserta. Dois meses depois, mesmo com modificações para ficar mais atrativa, novamente não houve interessados. Em julho deste ano, com algumas modificações maiores, a licitação vingou. O edital foi publicado, duas habilitadas, uma vencedora, e novamente a judicialização do processo. O que fazer diante de mais esse empecilho? Optou-se, então, por revogar a licitação e ajustar os pontos destacados pelo juiz para resolver o problema o quanto antes. Agora, estamos finalizando a montagem do novo edital. Será feita uma audiência pública do Executivo em dezembro. E o Tribunal de Contas fez nova determinação, na qual o edital deve passar por sua supervisão. Resumidamente, esse é o histórico em Novo Hamburgo sobre o processo licitatório do transporte coletivo”, detalhou a procuradora.
A secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Roberta Gomes de Oliveira, falou sobre o transporte público coletivo na cidade e reforçou a informação de que o Executivo está preparando audiência pública para dezembro. Segundo ela, a situação em que se encontra Novo Hamburgo não é uma realidade apenas municipal, mas de diversos locais do Brasil e do mundo. “A história se inicia em 1948 com a lei municipal determinando o transporte coletivo como de utilidade pública. Desde 2009, o Município convive com contratos emergenciais. Em 2012, surge a Lei da Mobilidade Urbana no país, trazendo conceitos que são muito presentes em nossas vidas até hoje. Em 2017, quando nossa gestão assumiu, uma das atribuições dada foi a realização da licitação do transporte público. Nós podemos abrir a internet hoje e percebemos que muitas cidades passam pela mesma situação que a nossa. Está muito difícil. O transporte público não é uma atividade econômica atraente como já foi."
De acordo com Roberta, em 2019 há uma estimativa de 246 mil habitantes, mas o sistema de transporte público ainda é o mesmo. A quantidade de usuários por mês caiu, e a frota de motocicletas e carros aumentou. "Outro comparativo mostra que Novo Hamburgo tem muito carro, transporte individual, uma média de 423 carros por mil habitantes. Além disso, a cidade se espalhou. E uma cidade mais espalhada tem um custo de transporte público maior. A Lei 12.587/2012 (Lei Federal de Mobilidade Urbana) foca na integração dos modos de deslocamento e traz questões que envolvem a sustentabilidade, incentivando a se investir mais em transporte ativo, como as bicicletas. Atualmente, temos menos de 40 mil usuários no transporte público da cidade”, destacou. Conforme a secretária, as demandas são as mais diversas: qualidade e conforto da frota, transporte mais sustentável – ônibus elétricos –, integração tarifária, bilhetagem eletrônica etc. A respeito do transporte público, a lei direciona, conforme explica a secretária, que o Município trabalhe com mais linhas troncais e radiais, tornando o transporte mais rápido. "Nosso plano de mobilidade urbana incentiva que o transporte público seja mais utilizado com opções de integração intermodais. Transporte mais confortável, seguro e eficiente é o que queremos. Reduzir a idade média da frota, ar condicionado pelo menos em 20% da frota já no início dos trabalhos, acessibilidade em 100% dos ônibus, bilhetagem eletrônica com reconhecimento facial, câmeras, botões de pânico, películas solares, aplicativos para celular com rotas. Novo Hamburgo caminha para se tornar um cidade inteligente, com foco no cidadão. Já estamos pensando como será o trasporte coletivo no futuro. A nossa nova licitação está preparando o sistema para que ele possa se adequar às novas alterações, mantendo equilíbrio e melhorando o serviço para a população”, defendeu.
Representando a Viação Futura, Viação Hamburguesa e Viação Feitoria, e também o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano do Vale do Sinos, Darci Norte Rebelo Júnior frisou que a licitação é apenas uma parte da situação. De acordo com o especialista, o transporte está passando por uma profunda reformulação. “Com o celular, as pessoas passaram a deslocar-se menos, porque resolvem muitas questões por aplicativos. O Uber retirou muitos usuários do transporte urbano. Temos de pensar todo o contexto de mobilidade urbana do Município, priorizando o transporte público, mesmo que com ações que podem não ser aceitas pelo cidadão em um primeiro momento. A licitação é apenas uma forma de escolher um prestador de serviços. A modelagem é uma questão fundamental. Temos de repensar muitas coisas”, apontou. Ele trouxe o exemplo do transporte público na Europa, o qual é custeado, em parte, pelo poder público. “Nós temos as isenções tarifárias, sabemos que são importantes e necessárias, mas ela não pode ser custeada pelo passageiro pagante. O nosso grande desafio é muito mais amplo que a licitação. É a mobilidade urbana como um todo, a integração com a micromobilidade para garantir atendimento adequado ao usuário”, disse.
O advogado explicou que a grande angústia das empresas de ônibus é adequar a oferta à demanda. “A demanda está caindo. Se eu diminuo a oferta, afugento ainda mais o usuário. Uma linha que passa de uma em uma hora não serve ao usuário. Com uma tarifa alta, será que ele terá condições de pagar? O Uber não é uma solução de mobilidade urbana, mas de trabalho, porque é uma maneira fácil de conseguir renda. Em Porto Alegre, temos cerca de 25 mil motoristas de Uber trancando o trânsito. Tem que realmente taxar esse tipo de transporte, assim como acontece com o trasporte coletivo. O BRT (Bus Rapid Transit ou Transporte Rápido por Ônibus) é uma situação para fazer o ônibus se portar como um metrô, com custo mais barato, em via exclusiva, com estações pré-pagas. Não tem dinheiro para essa infraestrutura? Demarcar faixas para o uso exclusivo de ônibus pode se apresentar como uma solução. Não é a licitação que solucionará o problema do transporte público em Novo Hamburgo, mas o estudo sobre a mobilidade urbana da cidade”, aposta.
Mauri Cruz, representando o Centro de Assessoria Multiprofissional, discorreu sobre os desafios e rumos do transporte coletivo na região metropolitana. “Este é o momento para que a cidadania de Novo Hamburgo possa refletir o que quer. Coloca-se uma expectativa muito grande sobre o processo licitatório, com a ideia de que os problemas com o transporte público coletivo são das atuais empresas prestadoras de serviços. Pressupomos que mudando vai melhorar. Na verdade, precisamos primeiro discutir o caráter do transporte público”, defende. Cruz ressaltou que a Prefeitura, ao tornar o edital mais atrativo, segue a lógica da atividade econômica, e não do serviço essencial. “As nossas cidades não funcionam sem transporte público. Se o transporte para, a cidade para. As escolas e lojas fecham. Os trabalhadores não chegam para trabalhar. Há uma dependência profunda, e, por isso, ele é essencial”, ressaltou, ao complementar que é preciso organizar o transporte para atender aos interesses da população. E que ele seja de qualidade. “É preciso enxergar o transporte público coletivo dentro do conflito da mobilidade, porque ele está perdendo a sua condição de se oferecer como uma alternativa. É necessário que sofra uma revolução para cumprir sua função. Mas precisamos do trasporte público, porque milhares de pessoas dependem dele. Nós, como usuários, temos de pensar o transporte, entender como ele funciona. A partir daí, a forma de remuneração do serviço tem de ser de controle público, e não exploração privada. Com os desafios colocados, é necessário que pensem melhor o edital para não correr o risco de congelar um sistema, que hoje já não é adequado e que, daqui a cinco ou dez anos, provavelmente menos será”, salientou.
Parlamentares presentes
Além da vereadora Patricia Beck, que conduziu os trabalhos da noite, estavam presentes no debate Enfermeiro Vilmar (PDT), Enio Brizola, Felipe Kuhn Braun, Nor Boeno (PT) e Sergio Hanich (MDB).
Brizola fez uso da palavra para destacar que há mais de uma década está se tentando viabilizar uma licitação do transporte público em Novo Hamburgo e que, nesse sentido, a audiência se propõe a entender o contexto do transporte coletivo no Brasil e no mundo. “Sou um defensor do serviço público e do transporte coletivo. E essa é uma discussão que vai além do edital”, disse. Ele também relatou que muitos cidadãos reclamam de insegurança, uma vez que a frota das empresas atuais apresenta problemas constantes de manutenção.
Sergio Hanich (MDB) enfatizou que, para atender à demanda da cidade, seriam necessários cem ônibus. “Temos uma concessão para 20 anos e não sabemos o que vai acontecer daqui a três. É uma opinião minha, que já trabalhei muitos anos dentro de um ônibus. Precisamos sentar e ouvir o nosso passageiro. Também deveríamos ter chamado o Ministério Público e o Tribunal de Contas para esta audiência, já que eles são responsáveis por vários impedimentos. Quem vai transportar nossos passageiros, se ficarmos sem transporte público?”, questionou o parlamentar.
Patricia Beck (PP) indagou como seria um modelo ideal de transporte coletivo e fez um apelo, em nome da comunidade, para que as atuais empresas invistam na manutenção da frota. “Tenham um olhar de cuidado, porque são vidas que estão dentro dos coletivos. Independente do que está acontecendo, as empresas estão operando e têm responsabilidade”, indicou.
Questionamentos da comunidade
A comunidade lotou o plenário para a audiência pública. Dentre os principais apontamentos trazidos estavam o alto preço da tarifa; a má qualidade do serviço prestado atualmente, com frota antiga e que não atende às necessidades dos passageiros; e a inexistência de tarifa integrada. Também foi apresentado questionamento quanto à principal influência para garantir uma tarifa justa: o percurso médio mensal ou o índice de passageiros por quilômetro. Mauri Cruz sugeriu um sistema híbrido como uma alternativa viável.
Os presentes também questionaram o valor pago pela Prefeitura para que fosse realizado um estudo acerca da situação do transporte coletivo na cidade para o lançamento de edital. Segundo a procuradora-geral do Município, o valor investido foi de cerca de R$ 300 mil. Também foram tema de perguntas como funcionará a migração das empresas atuais para a ganhadora da licitação e como se dará a validade das passagens. A secretária afirmou que haverá um período de transição para que tanto usuários quanto empresas não saiam prejudicados. Roberta também garantiu que a integração tarifária estará prevista na nova licitação.
O ex-prefeito Tarcísio Zimmermann acredita que o Município não pode trabalhar com a hipótese de se ter uma tarifa maior do que a cobrada atualmente. “Estamos vivendo um tempo de desemprego, de dinheiro curto. Precisamos pensar em um sistema economicamente viável ao bolso do usuário”, disse.
O deputado federal Elvino Bohn Gass também se manifestou. “O tema da mobilidade é nacional, pensar alternativas sustentáveis, integradas, baratas, tudo o que foi debatido nesta noite importa. E eu aprendi muito aqui hoje”, falou. Aproveitando a pauta, o deputado discorreu sobre o processo de privatização da Trensurb. “A previsão, se for privatizada, é a cobrança de mais de R$ 6,00 pela passagem, porque não haverá mais o subsídio que atualmente possui. Temos de melhorar o sistema, mas temos de mantê-lo público”, defendeu.
Para finalizar, Patricia Beck destacou a importância da união de forças de diversas lideranças em prol da comunidade. Fernanda Luft chamou os cidadãos para participarem da audiência pública que será realizada pelo Executivo, em data ainda não definida. “Chamou a atenção hoje muitas pessoas terem falado que interessa mais o preço cobrado do que uma frota confortável. Precisamos extrair da população o que ela realmente quer, por isso a participação neste debate é fundamental”, concluiu.