Câmara debate esvaziamento do Fundo do Idoso em Novo Hamburgo

por Luís Francisco Caselani última modificação 21/03/2023 12h30
20/03/2023 – No final do ano passado, a Prefeitura de Novo Hamburgo acessou o saldo do Fundo Municipal do Idoso e transferiu aos cofres do Município mais de R$ 620 mil. A notícia pegou todo mundo de surpresa. Com base em emenda constitucional aprovada durante a pandemia, o Executivo tinha autorização para fazer uso dos recursos. No entanto, pessoas ligadas ao conselho que administra o fundo criticaram não terem sido comunicadas. O assunto veio à tona no final de fevereiro. Nesta segunda-feira, 20, a Câmara abriu espaço para debater o ocorrido.
Câmara debate esvaziamento do Fundo do Idoso em Novo Hamburgo

Foto: Jaime Freitas/CMNH

A convite da bancada progressista, composta pelos vereadores Felipe Kuhn Braun e Gustavo Finck, fizeram uso da tribuna a ex-presidente do Conselho Municipal dos Direitos e Cidadania do Idoso (CMDCI), Loreni Pereira, e o presidente do Lar São Vicente de Paula, Leonício Fonseca. Eles reconhecem a legalidade do procedimento contábil, mas contestam a moralidade da movimentação.

Loreni explicou que os conselheiros só ficaram sabendo sobre a transferência na primeira reunião do ano, realizada no dia 23 de fevereiro. Presidente do órgão à época da retirada do valor, ela afirmou que a mesma prática também ocorreu em outros fundos municipais. Esses são recursos destinados pela comunidade hamburguense. Como a população vai acreditar que poderá fazer suas doações quando, faltando quatro dias para encerrar o ano, faz-se a retirada de R$ 621 mil do Fundo do Idoso?”, indagou.

Ciente da situação, o CMDCI emitiu ofícios aos órgãos competentes. Em nota, o secretário municipal da Fazenda, Gilberto dos Reis, reconheceu o erro em não comunicar as entidades, mas afirmou que o dinheiro segue à disposição do fundo. Loreni questionou seu posicionamento. “De que forma o valor segue à disposição? Se estão disponíveis, por que estão no caixa da Prefeitura e não no fundo? O secretário da Fazenda não soube explicar como esse valor retornará. A grande maioria dos idosos da nossa cidade convive com uma vulnerabilidade social muito grande. Aí temos um secretário que acha que pode simplesmente pegar esse valor e colocar no caixa livre da Prefeitura”, criticou a servidora pública aposentada.

Ela calcula que, somando todos os fundos atingidos, devem ter sido retirados mais de R$ 2 milhões. Para onde está indo todo esse dinheiro?”, perguntou a convidada, lembrando que, recentemente, o Executivo também conquistou autorização da Câmara para a contratação de empréstimo de R$ 205 milhões.

Um dos proponentes do debate, Gustavo Finck tomou para si a responsabilidade de introduzir as falas externando seu posicionamento contrário à ação adotada pela Prefeitura. O vereador também tentou esclarecer como ocorreu a transferência dos recursos e quais os próximos passos a serem articulados pelo conselho para reaver os valores. “A comunidade inteira ficou apreensiva com o que aconteceu em dezembro. Sabemos o quanto vocês precisam desses recursos, que não vêm do poder público. Vêm de doações feitas pelas pessoas para contemplar projetos, inclusive do Lar São Vicente”, iniciou Finck. O parlamentar relatou ainda que aguarda resposta a requerimento feito no início do mês questionando quais fundos tiveram recursos realocados ao caixa único do Município e se já houve a devolução de valores às contas de origem.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Legislativo (Codir), Enio Brizola (PT) comentou que o colegiado encaminhou denúncia ao Ministério Público assim que notificado da situação. Uma das falas que temos feito é sobre discutir a situação das finanças do Município. Qual a realidade financeira e de endividamento que faz o Executivo se socorrer de fundos públicos conquistados a muito custo pelas entidades? Isso desmobiliza o voluntariado e os doadores. Quando a pessoa faz a destinação, ela quer ajudar um trabalho social”, pontuou o vereador.

Lar São Vicente de Paula

Responsável pelo atendimento integral a 44 idosos carentes da cidade, o Lar São Vicente é hoje a única entidade habilitada a receber recursos do fundo municipal. Diretamente impactada pela decisão da Prefeitura, a instituição lamenta a transferência de verbas cuja captação depende em muito do esforço de colaboradores e voluntários na área.

Foi uma bomba de água fria. Trabalhamos dia após dia conquistando a confiança dos nossos doadores. Prestamos contas mensalmente. Toda a diretoria é voluntária. Não utilizamos valores nem para gasolina. É um trabalho sério e transparente. Fomos pegos de surpresa com essa informação. Não houve comunicado. Gostaria que o secretário (da Fazenda) colocasse no papel que receberemos o valor que está lá, assim como os juros e correção monetária. Precisamos de um documento assinado com essas informações. O dinheiro é de quem o destinou”, salientou Leonício Fonseca.

Felipe Kuhn Braun defendeu a convocação do secretário Gilberto dos Reis. Não se sabe se esse dinheiro realmente voltará”, lamentou o progressista. Raizer Ferreira (PSDB) propôs que os vereadores elaborem e assinem um requerimento questionando sobre como será feita a devolução dos valores. Com isso, a resposta será registrada em documento assinado por representante do Executivo. O presidente da Câmara, Fernando Lourenço (PDT), acolheu a sugestão e afirmou que a Casa deve encaminhar o pedido de informações já durante a sessão desta quarta-feira, 22.

Secretária da Codir, Lourdes Valim (Republicanos) manifestou sua solidariedade às instituições. “Tirar de um idoso é como tirar de uma criança, pois eles também são indefesos. Quando se tira de um idoso, dói na nossa alma”, frisou. Inspetor Luz (MDB) lembrou que o texto da emenda constitucional permite, mas não obriga a retirada de valores dos fundos públicos. O Código Penal prevê que pegar cartão de aposentado e fazer uso da pensão em direito próprio é crime. E desviar dinheiro dessa forma pode ser o quê? Não é assim que se conduz”, asseverou.

Cristiano Coller (PTB) acredita que muitas instituições, não apenas na área do atendimento ao idoso, podem sofrer um baque nas doações recebidas devido ao clima de desconfiança que se criou. “A cidade está perplexa. O dinheiro não é do Executivo. Ele vem de doações e pertence às entidades”, acrescentou Finck.

Líder do Governo na Câmara, Ricardo Ritter – Ica (PSDB) reforçou que não houve ilegalidade na movimentação dos recursos. “Sou um grande defensor do secretário da Fazenda, porque ele é um homem que está na vida pública há mais de 40 anos. Tenho certeza de que ele não colocaria sua trajetória como funcionário público em jogo por alguma ilegalidade. São palavras dele de que os rendimentos não serão perdidos. O dinheiro continua rendendo e todo mundo o receberá; não só o Fundo do Idoso, mas também os demais que tiveram seus recursos redirecionados”, assegurou o vereador tucano.