Roda de Conversa aborda desafios para tornar a Lei Maria da Penha mais eficiente

por Maíra Kiefer última modificação 05/08/2022 15h02
02/08/2022 – Vítima de tentativa de feminicídio ocorrida em novembro de 2013, a ativista Barbara Penna constata que, apesar de muitos avanços conseguidos a partir da Lei Maria da Penha, ainda há brechas que permitem que agressores sigam impunes e à vontade para ameaçar as mulheres. Recentemente, voltou a vivenciar intimidação mesmo com o acusado preso e condenado há 28 anos e quatro meses de reclusão em regime fechado. Recebeu um vídeo do ex-namorado gravado dentro da penitenciária. Depois de fazer o boletim de ocorrência, Barbara percebeu que seu atual endereço constava no documento remetido ao advogado do agressor. O assunto foi abordado nesta terça-feira, 2, durante roda de conversa Reflexo da Lei Maria da Penha na Família, promovida pela Procuradoria Especial da Mulher, no Plenarinho do Legislativo.
Roda de Conversa aborda desafios para tornar a Lei Maria da Penha mais eficiente

Crédito: Daniele Souza e Maíra Kiefer/CMNH

Além de Barbara, compuseram o grupo a promotora de justiça Carla Frós, o jornalista Robson da Silveira, integrante do Instituto Barbara Penna, e a soldado Ianca Neu, representante da Patrulha Maria da Penha. O evento teve a mediação da defensora pública da vara da Infância e Juventude em Novo Hamburgo, Deisi Sartori. Da plateia, que lotou o Plenarinho, acompanharam o debate o presidente do Legislativo, Cristiano Coller (PTB), a procuradora especial da Mulher, Semilda – Tita (PSDB), Lourdes Valim (Republicanos) e Raizer Ferreira (PSDB). Também assistiram ao bate-papo integrantes do Executivo Municipal, conselheiras tutelares e pessoas ligadas à luta pelo fim da violência doméstica.

Em sua exposição, Robson lembrou que no próximo domingo, 7, a Lei Maria da Penha completa 16 anos. Contudo, segundo ele, há muitas questões que precisam ser aprimoradas na legislação. Para tornar isso possível, um abaixo-assinado com 15 proposições está sendo divulgado por Barbara e por autoridades em todo o Brasil.

São coisas que ajudam no sistema da rede. Como por exemplo, a Barbara agora quando foi registrar ocorrência contra o ex-dela, da ameaça dentro do presídio, na notificação recebida por ele tem o endereço dela. Sabe por quê? Porque é normal, faz parte do sistema da Polícia Civil de todo o país, autenticar onde está a vítima”, lamentou Robson da Silveira, marido de Barbara, integrante do movimento HeForShe e comendador da campanha Laço Branco.

Para ele, essa e outras questões devem ser revistas urgentemente. Entre outras propostas de melhorias, está o fim do tempo limite de medida protetiva de seis meses para enquanto durar o processo. Robson mencionou que, se ela e outras vítimas se sentirem ameaçadas novamente e estiver esgotado o período, terão de ir novamente registrar ocorrência e relatar mais uma vez toda a situação vivenciada.

Outra questão levantada foi a utilização de tornozeleira eletrônica pelos acusados assim que for expedida medida protetiva, com o mapeamento dos lugares que a vítima frequenta para a vigilância ser mais eficaz. Conforme o jornalista, a ação já conta com 700 mil assinaturas, e a expectativa é que chegue a 1 milhão. A ideia é promover as modificações legais por meio de iniciativa popular.

Ao abrir os trabalhos, o presidente do Legislativo Cristiano Coller (PTB) informou que a Legislatura atual tem se dedicado a proposições para reduzir as ocorrências de violência doméstica e incentivar as denúncias. “Esse ano aprovamos a colocação de informativo nas contas da Comusa, da vereadora Tita, e o meu gabinete criou o projeto Patrulha Maria da Penha na Guarda Municipal”, declarou Coller. Ambas as propostas receberam o aval do Executivo e, em breve, devem ser implantadas. 

A procuradora especial agradeceu a união das entidades presentes à atividade e salientou que somente com a colaboração de todos será possível avançar pelo fim da violência doméstica. Ela afirmou que o motivo que os reunia no Legislativo traz dor, revolta e tristeza. “Infelizmente precisamos gritar por socorro”, disse a vereadora. Ela explicou a importância da campanha nacional Agosto Lilás, dedicada à conscientização e enfrentamento à violência contra a mulher e recentemente aprovada na Câmara hamburguense. A proposta prevê ações semelhantes a que foi realizada nesta terça. Também há possibilidade de parcerias com instituições privadas, entidades civis e outras instâncias governamentais para a execução das atividades. 

Debate

A mediadora Deisi Sartori abriu o debate com uma frase da filósofa Simone de Beauvoir:Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que se manter vigilante por toda a sua vida.”. A defensora pública lembrou que, na realidade brasileira, essas crises são constantes e consequentemente os questionamentos dos direitos têm sido permanentes. “A gente comemora a existência da Lei Maria da Penha. Esse avanço trazido foi construído com base em um grande sofrimento e todos os avanços nas conquistas dos direitos das mulheres no Brasil se baseiam em eventos muito traumáticos”, declarou, lembrando também o trágico episódio vivido por uma das participantes do bate-papo.

No início da roda de conversa, Barbara exibiu um vídeo com a história de violência vivida por ela e seus filhos. O caso ocorreu em 7 novembro de 2013 na cidade de Porto Alegre. Ela foi espancada pelo ex-parceiro, teve o corpo incendiado, foi jogada do terceiro andar e perdeu os dois filhos, vitimados pelo fogo e fumaça que se alastraram pelo apartamento do casal. Além deles, um vizinho que socorreu Barbara faleceu também devido à inalação do monóxido de carbono produzido pelas chamas. Ao ser levada para atendimento hospitalar, tanto ela quanto o agressor foram transportados na mesma ambulância. Durante a exposição, Barbara reforçou que esse procedimento equivocado poderia ter resultado em sua morte. Durante o trajeto, o ex-namorado proferia xingamentos e debochava da vítima, conforme relembrou a ativista. Com 40% do corpo queimado, desfigurado e com diversas fraturas, Barbara ficou em coma por quase dois meses. Desde então, a ativista já realizou mais de 200 cirurgias, todas custeadas pelo SUS.

Minha vida foi destruída. Dói muito me olhar na frente do espelho e ver que ainda existem marcas, mas o que mais me dói é saber que por mais que eu faça um procedimento eu nunca vou conseguir ver meus filhos novamente”, disse Barbara. Ela afirmou que se engajou na luta por justiça por todas as mulheres que já sofreram algum tipo de violência e por aquelas que não estão mais aqui para contar suas trágicas trajetórias.

A minha história é uma consequência de erros, desde o momento que eu vivi aquele relacionamento abusivo, em que a minha família e a dele foram omissas. Até hoje, depois de oito anos da tragédia, depois de muitos traumas, eu ainda tenho uma medida protetiva contra o meu ex. No Brasil todo acontecem casos como o meu, e os sinais são perceptíveis. A gente precisa ensiná-los para que as mulheres entendam o que estão vivendo dentro de casa”, afirmou.

Assim como ela, a promotora Carla Frós elencou os tipos de violência vivenciados diariamente por mulheres em todo o país: violência física, moral, sexual, psicológica – hoje já é crime submeter alguém a esse tipo de situação –, e patrimonial. “Muitas mulheres eram perseguidas e só conseguiam registrar ocorrência por perturbação da tranquilidade, mas a perseguição vai além disso. Ela ocorre reiteradamente. Quantas mulheres são perseguidas mesmo depois do fim do relacionamento em seu ambiente de trabalho?”, indagou a promotora, sinalizando a importância da criminalização dessa prática.

A promotora informou que atualmente coordena o Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Gepevid) no âmbito do Rio Grande do Sul. "Ele foi criado em razão de muitas Barbaras que nós temos pelo Estado e país afora. O depoimento dela serve como motivação para que a gente prossiga nessa luta contra a violência”, acrescentou.

Para Carla, a capacitação é uma das principais ferramentas de enfrentamento da violência e sua abrangência deve se estender além da rede de atendimento, composta, entre outros, por promotores, defensores e magistrados. Segundo ela, profissionais da área de ensino precisam receber também orientação sobre como identificar esses dramas em sala de aula.

“Nem todos atuam diariamente com esse tema, nem todos têm essa visão da legislação e de tudo que pode ser feito para que possa ser interpretada da melhor forma possível. Só poderemos comemorar um dia a promulgação dessa lei quando nós tivermos o mínimo de dignidade para oferecer a essas mulheres”, destacou Carla.

A defensora Deisi Sartori e a vereadora Semilda - Tita compartilham do mesmo entendimento sobre a importância da escola no papel da proteção. "Nós não podemos mais fechar os olhos. O professor precisa ser treinado para ter esse olhar diferenciado, porque vai ajudar a mudar a sociedade", apontou a parlamentar.

Última integrante da roda de conversa a se pronunciar, a soldado Ianca Neu, da Patrulha Maria da Penha em Novo Hamburgo, explicou que, além do trabalho técnico da guarnição, criada em 2012 para fiscalização de medidas protetivas, eles têm realizado orientações em escolas do município.

Domingo por Elas
A programação do Agosto Lilás segue ao longo do mês com outras atividades. Para o dia 21, está prevista a quinta edição do Domingo por Elas. O evento alia atendimentos gratuitos voltados à comunidade a orientações sobre como buscar ajuda em casos de violência doméstica. Em formato itinerante, a nova edição do projeto visitará pela primeira vez o bairro Canudos. A ação ocorrerá das 14h às 17h na rua Rio Grande do Sul, no trecho entre as ruas Odon Cavalcanti e Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Em caso de chuva, o evento será transferido para o domingo seguinte, dia 28. A organização das atividades é feita pela Rede Integrada Laço Lilás, capitaneada pela Procuradoria Especial da Mulher, sob os cuidados da procuradora especial e da servidora Carolyne Andersson.

 

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