Professoras destacam dificuldades enfrentadas por adultos não alfabetizados
Orientadoras da pesquisa, as professoras Elisângela Rodrigues e Franciele dos Santos explicaram como se desenvolveu o trabalho. Franciele frisou que aproximadamente 4 mil hamburguenses não são alfabetizados. Além disso, segundo dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), cerca de 30% da população brasileira convive com limitações para ler e interpretar textos. “Temos uma população muito maior de analfabetos funcionais. São pessoas que precisam de políticas públicas que as atendam. Cidadãos que movimentam a economia, mas que relatam dificuldade de acesso aos serviços públicos. Eles poderiam contribuir muito mais como cidadãos se tivessem seus direitos garantidos”, argumentou Franciele.
Elisângela disse ser inadmissível motoristas e passageiros não responderem com educação pessoas que perguntam qual o itinerário do ônibus. A partir de um intercâmbio com alunos da EJA da EMEF João Baptista Jaeger, do bairro Santo Afonso, as alunas entrevistaram mais de 40 adultos, com grande reincidência de declarações sobre as mesmas dificuldades. “A partir desses relatos, surgiu o projeto. Conseguimos alcançar todos os objetivos do trabalho, inclusive estarmos aqui na Câmara. Pedimos que nos representem pensando políticas públicas que atendam a essa população. Uma coisa tão simples, como pegar um ônibus, eles não conseguem porque não são alfabetizados”, reforçou Elisângela. As professoras destacaram que, após a coleta de dados, chegou-se a duas ideias principais: a instalação de sistema sonoro, semelhante ao existente nos trens, ou a verbalização por parte dos motoristas dos destinos.
A estudante Arlete contou orgulhosa que hoje não depende de mais ninguém para identificar os ônibus nas paradas. “Hoje estou muito contente por poder me virar sozinha, mas já sofri com isso. Também tivemos vários colegas que foram induzidos a pegar ônibus errados”, lamentou. Emocionada, Andreia também disse ter enfrentado essa situação. “Já me puseram em ônibus errado e tive que voltar caminhando de Canudos até a Boa Saúde. Nos somos humilhados. Tinha vergonha de ir para o Centro. Essa é minha primeira oportunidade de estudar. Falta pouco para eu ler. Minhas professoras me ensinaram as letras e minha nora escreveu o nome da linha que preciso pegar”, revelou. “Não temos noção da dificuldade enfrentada. Acho que faltam essas formações mais humanizadoras para quem presta serviço para a população”, complementou Elisângela.
O vereador Felipe Kuhn Braun (PDT) lamentou as ocorrências compartilhadas pelas alunas. “A vinda de vocês aqui é muito importante, pois representa um testemunho, um exemplo da superação de vocês e do empenho das professoras. Temos que melhorar muito o transporte público em Novo Hamburgo. As empresas não prestam o serviço como necessário. É preciso que as concessionárias que assumam daqui para frente façam um trabalho muito melhor”, pontuou.
Enio Brizola contou ter ficado emocionado quando acompanhou a apresentação das alunas antes de convidá-las à Câmara. “Isso mostra a importância do estímulo à pesquisa, para detectar problemas na sociedade. Neste período que estou aqui, não tive a sensibilidade de perceber essa demanda. Então como é importante a comunidade vir para dentro desta Casa, expondo o que as pessoas sofrem no dia a dia. Uma cidade somente é desenvolvida na sua plenitude quando conseguirmos alfabetizar a todos”, sinalizou.
Presidente da Comissão de Obras, Serviços Públicos e Mobilidade Urbana, a vereador Patricia Beck (PP) convidou as estudantes e as professoras para que elas apresentem seu cotidiano também em audiência pública que será promovida pela Câmara no próximo dia 21 sobre a situação do transporte coletivo. “Vocês deram um choque de realidade de que estávamos precisando. Acredito também que possa ser pensada para os ônibus a identificação das áreas da cidade por cores”, sugeriu a parlamentar.
Ex-motorista do transporte coletivo, Sergio Hanich (MDB) disse ter ficado constrangido após a fala das alunas. “Esse tipo de tratamento não é orientação, pelo contrário. É lamentável ver que há pessoas que fazer isso com outro ser humano. Um motorista que faz isso não pode ser considerado um profissional. Em nome da categoria, peço desculpas, porque me sinto envergonhado”, reiterou. Os progressistas Tita e Vladi Lourenço parabenizaram as estudantes pela pesquisa e o empenho das professoras.
O presidente da Câmara, Raul Cassel (MDB), elogiou a atitude das alunas de virem a público para expor essa dificuldade. O vereador também lembrou que, em seu período como vice-prefeito, na metade da década de 2000, o Grupo Sinos encabeçou uma campanha, em parceria com a Secretaria de Educação, para que Novo Hamburgo atingisse o status de cidade alfabetizada. “O grande desafio na época era justamente levar os adultos até a sala de aula. Pelos dados que vocês trouxeram, regredimos. Peço que sigam nessa luta e incentivem, porque há pessoas que, por vergonha, não buscam o ensino, mesmo as escolas estando com as portas abertas”, finalizou.