Investigação conduzida pela CPI do Transporte Público será enviada ao MPRS
O envio do inquérito ao MPRS foi recomendado pelo próprio colegiado em relatório elaborado pelo vereador Raizer Ferreira (PSDB) e assinado por Enio Brizola (PT), Inspetor Luz (PP) e Lourdes Valim (Republicanos). O documento, aprovado em anexo ao Projeto de Resolução nº 2/2024, pede que o órgão estude a adoção de providências legais cabíveis e acompanhe a situação até que a operação atinja “níveis mínimos de qualidade”. O parecer da comissão parlamentar de inquérito alerta ainda para indícios de improbidade administrativa da secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Roberta Gomes de Oliveira.
Além dos quatro vereadores que assinam o relatório, posicionaram-se favoráveis os progressistas Cristiano Coller e Gustavo Finck e os tucanos Felipe Kuhn Braun e Tita. Os oito votos foram suficientes para derrotar o quarteto formado por Darlan Oliveira (MDB), Fernando Lourenço (Solidariedade), Ricardo Ritter – Ica (MDB) e Vladi Lourenço (Podemos). Ito Luciano (Podemos), que presidiu a sessão na ausência de Gerson Peteffi (MDB), seria acionado apenas em caso de empate.
O relatório
Ao longo de 16 páginas, a comissão descreve desde os percalços enfrentados no processo licitatório do transporte coletivo até os problemas verificados já durante a nova operação dos ônibus, conduzida pela Viação Santa Clara (Visac-RS) desde o dia 27 de abril. Entre os pontos destacados estão atrasos recorrentes, alterações de horários e trajetos sem prévio aviso e a má conservação de alguns veículos.
Como causa para parte das falhas observadas, o relatório sublinha a não implantação de microterminais de transbordo e integração que permitissem a “troncalização” do sistema. “Embora previstos no projeto básico, documento que embasa toda a licitação, nenhum dos cinco microterminais foi executado pelo governo. Permanece, como há décadas, um sistema repleto de linhas alimentadoras que desembocam em um único terminal central”, assevera o parecer da comissão. O entendimento dos vereadores é de que a ausência das melhorias demandaria um aumento no número de veículos, o que não ocorreu.
A necessidade de que mais ônibus circulem para compensar a falta de infraestrutura também gera outro problema: o aumento do custo da operação. “Esse custo, obviamente, precisa ser pago. E, atualmente, só há duas formas possíveis: cobrança de tarifa do usuário ou financiamento do sistema pelo concedente”, explica o relatório, que acrescenta ainda à lista de equívocos o superdimensionamento do número de passageiros.
Em julho, 342 mil pessoas passaram pelas roletas, bem abaixo da projeção de 506 mil usuários mensais constante no edital. Para cobrir o desequilíbrio, a concessionária teria solicitado indenização à Prefeitura. Conforme apuração da comissão, a resposta do Executivo para cobrir os prejuízos financeiros dos três primeiros meses foi um pagamento de quase R$ 2,7 milhões. “Os valores da indenização, segundo a proposta do governo, sairão do Fundo de Mobilidade Urbana e Transporte. Porém, a origem dos recursos é a venda antecipada da bilhetagem. A solução é extremamente arriscada, pois cobre o prejuízo com dinheiro de passagens ainda não utilizadas. A tendência de que gere desequilíbrio no sistema é grande”, temem os vereadores.
Além do encaminhamento do inquérito ao MPRS, a Câmara também enviará ofício à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação exigindo providências imediatas para a construção da infraestrutura prevista no projeto básico da licitação. “O governo terá que apresentar soluções sobre como resolver essa questão sem aumentar a tarifa da população, já que os valores hoje já são bastante elevados. Senão, novamente a população arcará com o prejuízo da ineficiência do governo”, sentenciam os membros da CPI.
A discussão em plenário
Entre discursos e justificativas de voto, dez vereadores se manifestaram verbalmente sobre o relatório final, o trabalho da comissão e o serviço prestado pela Visac-RS. Secretário da CPI, Enio Brizola salientou que o grupo se propôs a investigar causas e consequências. “Completaremos seis meses da nova operação, oriunda de um processo licitatório que fragilizou e desorganizou a vida das pessoas da nossa cidade. Isso não pode passar ileso. Fizemos um trabalho longo e profícuo, sem nenhuma espécie de perseguição política. O que há é uma cobrança de responsabilização de gestores por desorganizarem a vida de uma cidade, mesmo com orientações internas do funcionalismo de não levarem adiante o edital. Teimaram, insistiram e colocaram o município nesta situação. A nova administração terá um grande desafio”, adiantou o vereador.
O relator Raizer Ferreira parabenizou o trabalho de seus colegas de comissão e agradeceu tanto o apoio dos funcionários da Casa quanto a participação dos depoentes. “Ouvimos diversas pessoas e levantamos informações técnicas para a composição do relatório. Conseguimos produzir um material que pôde realmente mostrar o quanto nosso transporte público saiu de uma promessa de solução para um total desastre, longe da qualidade e pontualidade que a cidade esperava”, ressaltou.
Cristiano Coller reforçou questionamento feito na segunda-feira, 21, sobre a ausência de menção à prefeita Fátima Daudt como corresponsável pelos problemas no transporte coletivo. Fernando Lourenço, por sua vez, reiterou sua discordância com a abertura da CPI menos de um mês após o início da nova operação. “Tínhamos uma empresa administrando o transporte público da nossa cidade por 58 anos. Agora, quiseram dar um prazo de 26 dias para a nova concessionária se ajustar e se adequar. Certamente ainda há muito a melhorar, mas os problemas estão sendo sanados”, ponderou.
Presidente da CPI, Inspetor Luz contrapôs que a Visac-RS assumiu a prestação do serviço porque quis e enfatizou a comissão justamente como um espaço para o diálogo. “O trabalho da CPI foi limpo, transparente e sem qualquer perseguição. Quem vai decidir se há algo errado agora é o Ministério Público, não esta Casa”, frisou. Tita opinou ser obrigação da empresa dar conta do serviço desde o início da operação. “Foi vendido que chegaria uma empresa com uma qualidade jamais vista. Mas relatos contrários e reclamações não faltam”, corroborou Lourdes Valim.
Já Ica preferiu focar no sucesso do Executivo em renovar o serviço de transporte público. “Outros gestores tentaram, mas não conseguiram. Espero que o próximo prefeito resolva os problemas detectados, mas enalteço muito a gestão atual pela troca, após muitos e muitos anos”, comentou o líder de governo, que lembrou também que muitas das reclamações já existiam no serviço prestado pelas empresas anteriores.
Ito Luciano disse acreditar que o erro da Prefeitura está na fiscalização, não no processo licitatório. “A CPI está questionando um edital que o Tribunal de Contas não apenas aprovou como colocou de modelo para outros municípios. Quero saber o quanto desse trabalho se reverterá em resultados para a nossa comunidade, que deseja ônibus na hora certa para seus deslocamentos”, sublinhou. Raizer respondeu: “Nossa função era apontar onde estão os erros, e no relatório estão descritas a não entrega do serviço, a insuficiência financeira e a forma como ocorreu a licitação.”
Sobre os pedidos de indenização, Felipe Kuhn Braun destacou ser uma prática antiga na cidade. “Na legislatura passada, foram dados não apenas valores à então concessionária, mas também isenções de ISSQN. Alegavam prejuízo, mas a própria empresa ia à Justiça e pedia a manutenção do contrato. Que empresa da iniciativa privada quer um serviço que lhe dá prejuízo? Mas o Executivo simplesmente abraçou e acolheu. E agora, nas primeiras semanas de dificuldade, parece ter aceitado novamente. Já são meses de prolongamento de um serviço muito aquém do que a comunidade precisa”, concluiu.