Investigação conduzida pela CPI do Transporte Público será enviada ao MPRS

por Luís Francisco Caselani última modificação 24/10/2024 18h41
23/10/2024 – A Câmara de Novo Hamburgo deve encaminhar ao Ministério Público do Estado (MPRS) nos próximos dias cópia integral do inquérito conduzido pela CPI do Transporte Público sobre os problemas enfrentados na nova operação dos ônibus na cidade. A decisão foi confirmada em plenário na tarde desta quarta-feira, 23, em votação dividida: 8 a 4. A apuração é resultado de mais de quatro meses de investigação, trabalho que envolveu a coleta de materiais e mais de 15 horas de depoimentos, entre testemunhos de usuários e interrogatórios a profissionais ligados às partes envolvidas.
Investigação conduzida pela CPI do Transporte Público será enviada ao MPRS

Foto: Jaime Freitas/CMNH

O envio do inquérito ao MPRS foi recomendado pelo próprio colegiado em relatório elaborado pelo vereador Raizer Ferreira (PSDB) e assinado por Enio Brizola (PT), Inspetor Luz (PP) e Lourdes Valim (Republicanos). O documento, aprovado em anexo ao Projeto de Resolução nº 2/2024, pede que o órgão estude a adoção de providências legais cabíveis e acompanhe a situação até que a operação atinja “níveis mínimos de qualidade”. O parecer da comissão parlamentar de inquérito alerta ainda para indícios de improbidade administrativa da secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Roberta Gomes de Oliveira.

Além dos quatro vereadores que assinam o relatório, posicionaram-se favoráveis os progressistas Cristiano Coller e Gustavo Finck e os tucanos Felipe Kuhn Braun e Tita. Os oito votos foram suficientes para derrotar o quarteto formado por Darlan Oliveira (MDB), Fernando Lourenço (Solidariedade), Ricardo Ritter – Ica (MDB) e Vladi Lourenço (Podemos). Ito Luciano (Podemos), que presidiu a sessão na ausência de Gerson Peteffi (MDB), seria acionado apenas em caso de empate.

O relatório

Ao longo de 16 páginas, a comissão descreve desde os percalços enfrentados no processo licitatório do transporte coletivo até os problemas verificados durante a nova operação dos ônibus, conduzida pela Viação Santa Clara (Visac-RS) desde o dia 27 de abril. Entre os pontos destacados estão atrasos recorrentes, alterações de horários e trajetos sem prévio aviso e a má conservação de alguns veículos.

Como causa para parte das falhas observadas, o relatório sublinha a não implantação de microterminais de transbordo e integração que permitissem a “troncalização” do sistema. “Embora previstos no projeto básico, documento que embasa toda a licitação, nenhum dos cinco microterminais foi executado pelo governo. Permanece, como há décadas, um sistema repleto de linhas alimentadoras que desembocam em um único terminal central”, assevera o parecer da comissão. O entendimento dos vereadores é de que a ausência das melhorias demandaria um aumento no número de veículos, o que não ocorreu.

A necessidade de que mais ônibus circulem para compensar a falta de infraestrutura também gera outro problema: o aumento do custo da operação. “Esse custo, obviamente, precisa ser pago. E, atualmente, só há duas formas possíveis: cobrança de tarifa do usuário ou financiamento do sistema pelo concedente”, explica o relatório, que acrescenta ainda à lista de equívocos o superdimensionamento do número de passageiros.

Em julho, 342 mil pessoas passaram pelas roletas, bem abaixo da projeção de 506 mil usuários mensais constante no edital. Para cobrir o desequilíbrio, a concessionária teria solicitado indenização à Prefeitura. Conforme apuração da comissão, a resposta do Executivo para cobrir os prejuízos financeiros dos três primeiros meses foi um pagamento de quase R$ 2,7 milhões. “Os valores da indenização, segundo a proposta do governo, sairão do Fundo de Mobilidade Urbana e Transporte. Porém, a origem dos recursos é a venda antecipada da bilhetagem. A solução é extremamente arriscada, pois cobre o prejuízo com dinheiro de passagens ainda não utilizadas. A tendência de que gere desequilíbrio no sistema é grande”, temem os vereadores.

Além do encaminhamento do inquérito ao MPRS, a Câmara também enviará ofício à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação exigindo providências imediatas para a construção da infraestrutura prevista no projeto básico da licitação. “O governo terá que apresentar soluções sobre como resolver essa questão sem aumentar a tarifa da população, já que os valores hoje já são bastante elevados. Senão, novamente a população arcará com o prejuízo da ineficiência do governo”, sentenciam os membros da CPI.

A discussão em plenário

Entre discursos e justificativas de voto, dez vereadores se manifestaram verbalmente sobre o relatório final, o trabalho da comissão e o serviço prestado pela Visac-RS. Secretário da CPI, Enio Brizola salientou que o grupo se propôs a investigar causas e consequências. Completaremos seis meses da nova operação, oriunda de um processo licitatório que fragilizou e desorganizou a vida das pessoas da nossa cidade. Isso não pode passar ileso. Fizemos um trabalho longo e profícuo, sem nenhuma espécie de perseguição política. O que há é uma cobrança de responsabilização de gestores por desorganizarem a vida de uma cidade, mesmo com orientações internas do funcionalismo de não levarem adiante o edital. Teimaram, insistiram e colocaram o município nesta situação. A nova administração terá um grande desafio”, adiantou o vereador.

O relator Raizer Ferreira parabenizou o trabalho de seus colegas de comissão e agradeceu tanto o apoio dos funcionários da Casa quanto a participação dos depoentes. Ouvimos diversas pessoas e levantamos informações técnicas para a composição do relatório. Conseguimos produzir um material que pôde realmente mostrar o quanto nosso transporte público saiu de uma promessa de solução para um total desastre, longe da qualidade e pontualidade que a cidade esperava”, ressaltou.

Cristiano Coller reforçou questionamento feito na segunda-feira, 21, sobre a ausência de menção à prefeita Fátima Daudt como corresponsável pelos problemas no transporte coletivo. Fernando Lourenço, por sua vez, reiterou sua discordância com a abertura da CPI menos de um mês após o início da nova operação. Tínhamos uma empresa administrando o transporte público da nossa cidade por 58 anos. Agora, quiseram dar um prazo de 26 dias para a nova concessionária se ajustar e se adequar. Certamente ainda há muito a melhorar, mas os problemas estão sendo sanados”, ponderou.

Presidente da CPI, Inspetor Luz contrapôs que a Visac-RS assumiu a prestação do serviço porque quis e enfatizou a comissão justamente como um espaço para o diálogo. “O trabalho da CPI foi limpo, transparente e sem qualquer perseguição. Quem vai decidir se há algo errado agora é o Ministério Público, não esta Casa”, frisou. Tita opinou ser obrigação da empresa dar conta do serviço desde o início da operação. “Foi vendido que chegaria uma empresa com uma qualidade jamais vista. Mas relatos contrários e reclamações não faltam”, corroborou Lourdes Valim.

Ica preferiu focar no sucesso do Executivo em renovar o serviço de transporte público. Outros gestores tentaram, mas não conseguiram. Espero que o próximo prefeito resolva os problemas detectados, mas enalteço muito a gestão atual pela troca, após muitos e muitos anos”, comentou o líder de governo, que lembrou também que muitas das reclamações existiam no serviço prestado pelas empresas anteriores.

Ito Luciano disse acreditar que o erro da Prefeitura está na fiscalização, não no processo licitatório. A CPI está questionando um edital que o Tribunal de Contas não apenas aprovou como colocou de modelo para outros municípios. Quero saber o quanto desse trabalho se reverterá em resultados para a nossa comunidade, que deseja ônibus na hora certa para seus deslocamentos”, sublinhou. Raizer respondeu: “Nossa função era apontar onde estão os erros, e no relatório estão descritas a não entrega do serviço, a insuficiência financeira e a forma como ocorreu a licitação.”

Sobre os pedidos de indenização, Felipe Kuhn Braun destacou ser uma prática antiga na cidade. “Na legislatura passada, foram dados não apenas valores à então concessionária, mas também isenções de ISSQN. Alegavam prejuízo, mas a própria empresa ia à Justiça e pedia a manutenção do contrato. Que empresa da iniciativa privada quer um serviço que lhe dá prejuízo? Mas o Executivo simplesmente abraçou e acolheu. E agora, nas primeiras semanas de dificuldade, parece ter aceitado novamente. Já são meses de prolongamento de um serviço muito aquém do que a comunidade precisa”, concluiu.