Guarda Municipal e equipe médica explicam episódio ocorrido no PA do Centro às comissões
O coordenador médico do PA, João Paulo Bedin, e o coordenador de enfermagem, José Jardim, explicaram que, em contrariedade ao que havia sido veiculado – e reforçado em nota oficial da Prefeitura –, não foi diagnosticado qualquer surto. O paciente foi conduzido por um familiar, internado após uso abusivo de substância ilícita e, no momento retratado pelos vídeos divulgados em redes sociais, já não estava mais sob cuidados da equipe médica e técnica da casa de saúde, uma vez que havia recebido alta. “Ele já tinha inclusive deixado o PA e retornou para dentro da sala de espera, para o saguão”, ilustrou Bedin.
“Esse paciente referiu o uso abusivo na noite anterior, mas que era recreativo, não contínuo. Ele não tem muitas procuras por esse atendimento. Ele tem uma anterior, também pelo uso abusivo de cocaína. Mas, para um período de quatro ou cinco anos, não é a procura de um dependente que deveria estar internado”, completou. Durante o atendimento, o cidadão teve o acompanhamento de um familiar, procedimento pouco habitual para pacientes entre 18 e 60 anos. “Em alguns casos, como foi este, permitimos para evitar possíveis transtornos. Do ponto de vista médico, o que tinha para ser feito foi feito. Ele não tinha necessidade clínica de estar contido. Em nenhum momento ele teve um surto psicótico. Não houve diagnóstico nenhum para fazermos isso”, reforçou.
O presidente da Codir, Enio Brizola (PT), destacou a necessidade de identificar qualquer excesso no emprego das armas de choque, uma vez que havia mulheres e crianças no entorno. A relatora da Comissão de Saúde, Patricia Beck (PPS), questionou também sobre a existência de um treinamento contínuo para os agentes que atuam em unidades de saúde. A diretora da Guarda, Luiza Schmidt, informou que os servidores passam por requalificação periódica, que envolve inclusive o uso dos equipamentos e as formas de condução de uma ocorrência. Ela afirmou ainda que os fatos estão sendo apurados junto à corregedoria da corporação e relatou os eventos de forma cronológica.
Pela manhã, segundo Luiza, o paciente havia agarrado pelo pescoço a guarda que atua permanentemente no PA. “Isso porque ela foi retirar um amigo que disse que ia pegar uma radiografia e, na verdade, estava lá acompanhando o paciente. Havia mais de uma pessoa acompanhando, o que não é permitido. Na parte da tarde, foi outra situação. Esse paciente permaneceu lá e tinha um número de pessoas que se diziam da família e amigos em volta. O paciente já havia recebido alta e desacatou meu colega, cuspiu na cara dele”, contextualizou. A diretora afirmou ainda que apenas a agente da Guarda saiu com lesões, devido a joelhadas nas costas desferidas pelo paciente ainda pela manhã. “E, como já teve essa incidência, à tarde botamos um reforço, colocamos mais um guarda. Mas não por causa do paciente, e sim porque os familiares estavam tentando entrar toda hora”, acrescentou.
Luiza defendeu o uso da arma de choque, o que afirmou ser o melhor instrumento em meio à situação que se apresentou. “Com todo aquele tumulto e o número de pessoas em volta do paciente, que só ali contei cinco ou seis pessoas, no meu ponto de vista, como agente de segurança pública, foi o melhor equipamento a ser usado naquele momento. Quanto à minha colega tentando acalmar a senhora: ela não estava com o dedo no gatilho e a Spark (arma de choque) possui uma trava de segurança. Com todo esse contexto, a única que saiu ainda com lesões, que se sabe, é a guarda, que saiu com o rim inchado e o pescoço marcado. Alguém filmou o final da ação, mas não todo o contexto da ocorrência. Penso eu, como agente de segurança, que o melhor equipamento a ser usado naquele momento foi a Spark”, ratificou a diretora.
Ela também descartou possível perseguição ao cidadão atendido, o que havia sido cogitado por seus familiares após a realização de blitz no bairro Santo Afonso. “Fizemos uma ação, como já estava programada. Não sei se é perto da residência dessa pessoa. Foi uma blitz no entorno da escola Padre Reus, por solicitação em razão da violência escolar. Estávamos fazendo nosso trabalho como sempre fizemos, de abordagem e de fiscalização”, atenuou. Professor Issur Koch (PP), relator da Codir, depreendeu ser um acontecimento atípico. “Fico satisfeito em saber que está sendo feito um processo de investigação, para que esse caso isolado não venha a se repetir”, manifestou. O secretário da Comissão de Saúde, Vladi Lourenço (PP), corroborou a opinião de seu colega de bancada. “É importante que a Guarda Municipal, junto com o Executivo, esteja investigando”, completou.
Brizola lembrou que as comissões ainda aguardam cópias das filmagens das câmeras internas e externas de segurança, que poderão referendar as declarações. Patricia Beck concordou com a opinião de ter sido um fato isolado e pediu maior cuidado para que casos assim não manchem o nome da corporação. “A Guarda não pode ser vista como um monstro, a partir de agora. E eu acho que essa tem que ser nossa preocupação. Se tivessem dito, por exemplo, que só se chegou a esse momento de tumulto porque o paciente desacatou um guarda, a repercussão era outra. Mas o que saiu pra gente é que aquela situação aconteceu porque o paciente estava em surto, o que não acredito que ele estava. Que possamos tomar esse exemplo tão difícil para que também a Guarda se preserve. E vocês já estão fazendo a parte de vocês junto à corregedoria”, salientou.
Saúde mental
O gerente de Saúde Mental da Prefeitura, Leandro Dieter, explicou que seu departamento investe hoje na construção de uma rede funcional que proporcione o diálogo entre seus diferentes níveis, desde a atenção básica até urgência e emergência. “Precisamos que eles garantam uma itinerância terapêutica adequada às condições de necessidade de cada usuário. Estamos ampliando esse leque para envolver a Guarda Municipal. Temos hoje protocolos claros de acolhimento e classificação de risco em todas as unidades, para avaliar as condições em que o usuário chega e apresentar aquilo que seja mais pertinente em termos de recursos que dispomos para melhor cuidado. E acho que, nesse caso, isso foi feito”, destacou.
“Me parece muito claro que se seguiu os protocolos de atenção e cuidado. Ao cabo de aproximadamente cinco horas, deu-se alta para esse paciente, lúcido, orientado e sem queixas. Isso por volta das 15 horas. Quando ele, então, é autorizado a ir para casa. Esse paciente não está em surto, ele está estabilizado. Ele sequer teve um surto psicótico. Ele chegou com grande nível de ansiedade, em decorrência do uso de substância, provavelmente”, opinou. Conforme Dieter, o paciente não apresenta histórico associado ao uso de drogas, não estando vinculado a nenhum Centro de Atenção Psicossocial (Caps).
O coordenador médico João Paulo Bedin ressaltou a importância de apurar o caso e criar mecanismos que evitem novas ocorrências. “A ideia é entender bem o que aconteceu para que isso não se repita e para termos um plano de ação mais estruturado para resolvermos situações assim com mais facilidade”, destacou. Bedin salientou, contudo, a esporadicidade dessas ocorrências. “Fazemos seis mil atendimentos por mês para termos um caso depois de tanto tempo. Claro que temos que esclarecer, temos que organizar para que não aconteça nunca, mas sabemos que nosso trabalho está sendo feito da melhor maneira possível com os recursos que temos”, frisou.
Segurança 24 horas por dia
Enio Brizola fez questão de pontuar que o Legislativo evitou emitir juízo de valor. “É do papel da Câmara a fiscalização, função primordial dos vereadores, mas de uma forma responsável. Que isso sirva de lição para todos, para melhorias de processos, o que vocês já iniciaram”, apontou. O coordenador de enfermagem, José Jardim, falou da importância do suporte da Guarda Municipal nas unidades de saúde. “Toda a equipe técnica e, principalmente, a equipe de recepção se sentem mais seguros quando tem um profissional da Guarda por perto. Esse foi um caso de exceção. O rapaz estava muito alterado e permitimos a entrada de um acompanhante. Porém, a família sempre insistia em se fazer presente. Não podemos liberar três, quatro ou cinco acompanhantes por paciente, porque inviabiliza o trabalho das equipes técnica e médica”, explicou.
Jardim reclamou que, desde o incidente, o PA não conta com a presença de um servidor fixo da Guarda Municipal – a agente que trabalhava durante o dia está afastada momentaneamente mediante a apresentação de atestado médico. “Hoje, a equipe se sente insegura em trabalhar sem o suporte da Guarda. Até o momento do fato nós tínhamos um profissional somente durante o dia. À noite somos carentes, não temos a segurança da Guarda, e acho que seria importante termos essa supervisão e esse apoio 24 horas por dia”, cobrou. Bedin lembrou que a corporação está efetuando rondas periódicas, mas não há a presença de um profissional permanente. “E acho que isso é uma coisa importante, porque inibe uma atitude mais hostil em relação à equipe”, ressaltou o médico.
A diretora da GM lamentou a impossibilidade de indicar um substituto fixo para o local, mas indicou um telefone de contato rápido para a convocação de um guarda em caso de emergência. “Se eu tirar alguém, vou descobrir o outro local”, justificou. O secretário de Segurança, Roberto Jungthon, garantiu que a pasta encontrará uma maneira de retomar o serviço com a maior brevidade possível. “Nesse momento, se o número de contato for acionado, atenderemos. E vamos estudar uma maneira de retomar a normalidade do serviço, seja com o retorno da servidora ou através de uma alternativa. Aquilo que é possível realizar é realizado”, enfatizou.
O diretor-presidente da FSNH, Ráfaga Fontoura, também salientou a importância da parceria entre unidades de saúde e Guarda Municipal. “Recebemos pacientes que apresentam, sim, riscos às equipes. Acho extremamente necessária essa integração com a Guarda, porque esses pacientes podem ficar violentos de uma hora para a outra. O que aconteceu no PA pode ter sido um caso atípico, singular, mas não se enganem: acontecem todos os dias em várias unidades de saúde situações que podem desencadear isso. Nossos colaboradores apanham, são ameaçados. Isso é rotineiro. É importantíssimo protegermos nossos profissionais para que eles possam desempenhar seu trabalho”, comentou.
Fontoura garantiu que a FSNH, responsável pela gestão do PA, já esclareceu o protocolo médico junto aos coordenadores e concluiu que tudo foi seguido corretamente. “A conduta técnica dos nossos colaboradores foi irretocável. Não houve necessidade de abertura de sindicância quanto aos nossos profissionais”, afirmou. Professor Issur Koch e Patricia Beck lembraram a existência de contrato entre a FSNH e empresa privada para prestação do serviço de portaria e questionaram a possibilidade de alteração para a contratação de seguranças. “Podemos pensar em uma empresa que esteja mais preparada em ser esse elo entre equipes de saúde e a Guarda”, sugeriu Patricia.
Luiza reforçou o pedido dos parlamentares. “Nós não temos como cobrir todos os postos e nos ajudaria muito que não fosse a contratação de porteiros, mas de agentes de segurança preparados para fazer esse trabalho de segurança em contato com a GM”, argumentou. “Nós temos um contrato vigente hoje com a zeladoria, mas, se não for mais interessante para a FSNH e para a equipe, isso pode ser revisto a qualquer momento”, contemporizou Fontoura.
Patricia salientou a necessidade de utilizar o episódio para uma profunda reanálise de todos os protocolos de acolhimento, gerando fluxos adequados aos serviços e à necessidade dos usuários. “A Fundação poderia propor isso. Acho que seria muito importante”, concluiu. O presidente da Comissão de Saúde, Enfermeiro Vilmar (PDT), mostrou-se satisfeito com o que foi apresentado. “As comissões aguardam que nos seja passado o final dessa investigação”, cobrou. Brizola ainda pediu o encaminhamento dos laudos médicos do cidadão atendido pelo PA, após ser avisado da impossibilidade jurídica do envio dos prontuários sem autorização do paciente. O presidente da Codir finalizou a reunião solicitando também cópia da conclusão dos procedimentos abertos pela Secretaria de Segurança.
O que são as comissões?
A Câmara conta com oito comissões permanentes, cada uma composta por três vereadores. Essas comissões analisam as proposições que tramitam pelo Legislativo. Também promovem estudos, pesquisas e investigações sobre temas de interesse público. A Lei Orgânica Municipal assegura aos representantes de entidades da sociedade civil o direito de participar das reuniões das comissões da Casa, podendo questionar seus integrantes. As comissões se reúnem semanalmente na sala Sandra Hack, no quarto andar do Palácio 5 de Abril.