Câmara debate propostas de destinação da Casa Lar da Menina e Semsa

por Luís Francisco Caselani última modificação 18/08/2017 17h25
17/08/2017 – A Câmara de Novo Hamburgo abriu seu plenário na noite desta quinta-feira, 17 de agosto, para debater junto à população a destinação de dois prédios históricos de Hamburgo Velho, conhecidos por sediarem a Casa Lar da Menina e o Centro de Especialidades Médicas (Semsa). A audiência pública foi proposta pela Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Histórico.

O presidente da Frente Parlamentar, Professor Issur Koch (PP), pediu foco aos debatedores, a fim de concluir a audiência com apontamentos concretos. “Venho muito mais na posição de mediador daqueles que têm mais amparo da causa. Nosso trabalho é ser a primeira porta de entrada entre população e poder público. Esta Casa tem sido um grande espaço de debates. Nosso passado e nosso futuro passa pela revitalização de Hamburgo Velho”, introduziu o vereador, que lembrou que a audiência surgiu a partir de propostas apresentadas pela Associação de Moradores e Empreendedores (AME) de Hamburgo Velho, que procurou a Frente Parlamentar e a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia (Coedu).

As propostas

O tesoureiro da AME Hamburgo Velho, Márcio Moraes, apresentou o projeto elaborado pela entidade para o prédio do Centro de Especialidades Médicas e relatou boa receptividade da população do bairro, embora ainda queira ouvir mais opiniões para a melhor destinação. “Fomos delegados pela prefeita Fátima Daudt a pensarmos junto à comunidade na instalação de uma incubadora de cervejarias artesanais no prédio do Semsa, a partir de escopo apresentado pela prefeita Fátima Daudt. Esse é um imóvel público e precisa atender aos anseios da população. Incubadoras existem pelo país todo, mas pensamos em maneira de ampliar. Por isso, imaginamos Novo Hamburgo na Rota da Cerveja Artesanal. Nosso objetivo diante dessa problemática partiu da premissa de pensar Novo Hamburgo como a Capital Nacional da Cerveja Artesanal. Com esse título, poderíamos explorar uma série de possibilidades, aproveitando-se da nossa cultura germânica e fomentando o desenvolvimento de cervejeiros do nosso Município”, explanou.

Moraes também destacou o desenvolvimento econômico proposto pela iniciativa e a aposta em um negócio sem aporte público. “Não basta oferecer espaço, é necessário estimular noções de empreendedorismo, pensando em toda a cadeia de negócio, aproximando, por exemplo, fornecedores e cervejeiros. Nossa proposta é que esse negócio a ser desenvolvimento tenha autocusteio, sem necessidade de aportes. O modelo adequado para a ocupação desse imóvel seria um edital de coparticipação, com o espaço sendo gerido por entidade sem fins lucrativos”, emendou.

O vice-presidente da AME, Deivid Schu, apresentou o projeto elaborado pela entidade para a estrutura da Casa Lar da Menina. “Entendemos o imóvel como um prédio importante que já fez muito pela cidade e que ainda tem muito a dar. Não temos a pretensão de ser a única ou a melhor ideia. Queremos levar à comunidade e receber suas contribuições. Só o prédio principal já tem mais de 600 metros quadrados. Junto a essa oportunidade, há grande responsabilidade. Para não exonerarmos o poder público, nossa proposta é uma parceria público-privada para uso múltiplo. Sugerimos a criação de uma incubadora a empreendimentos da indústria criativa. Qualquer empresa precisa de uma base sólida de cultura de inovação. É a partir desse eixo que pretendemos criar uma cultura de fomento ao empreendedorismo. Por isso uma incubadora, para pequenas empresas com possibilidade de crescimento”, explicou.

A ideia não é entregar o prédio para uma empresa privada, mas que ela ocupe e subsidie o espaço para uso público, oferecendo treinamentos, cursos de capacitação, oportunidade de estágios e contato com tecnologias de vanguarda de difícil acesso. O prédio principal receberia espaço para a Secretaria de Cultura (Secult), coworking, uma ilha de tecnologia, e uma parte de palco, escola de música e arte. Já no anexo, haveria espaço para a indústria criativa e tecnológica. O Município poderá exercer suas atividades-fim para cultura e educação em um prédio gerido por uma empresa privada. O poder público pode ser parceiro dentro dessa atividade. Acredito que com isso consigamos trazer tanto o resgate histórico do local quanto sua melhor ocupação, avançando em termos de vanguarda. Queremos criar um ambiente inovador que possa gerar emprego e qualidade de vida”, completou Schu.

Abertura de debate

A presidente do Núcleo Vale do Sinos do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Karen Kussler, exaltou o momento de abertura de propostas e debate. “Acho importante não tentarmos mudanças bruscas na estrutura do bairro. Precisamos promover a diversificação do público, mas precisamos focar um pouco mais na vocação artística do local. Poderíamos ter um espaço complementar de arte contemporânea para manter o que já há no bairro e propiciar espaço para artistas locais. Sempre tentamos pautar as discussões pela diversificação de oferta nesses espaços, que são públicos”, recomendou.

O secretário de Cultura, Ralfe Cardoso, relatou avanços conquistados nesses primeiros meses de Administração e destacou a necessidade de organizar ações para o reconhecimento das capacidades culturais existentes em Novo Hamburgo. “Os projetos mostram a potência de qualquer diálogo sobre a ocupação desses prédios. Precisamos construir alguns pilares fundamentais. Qualquer ação que tomemos nos posiciona frente ao Estado, ao País e pode causar reflexos, tamanha a potência da discussão. De Hamburgo Velho podemos fazer uma plataforma para que a cidade se encontre de maneira orgânica no bairro. Hamburgo Velho precisa de um cuidado na preservação de seus prédios históricos, o que vinha sendo negligenciado. Ninguém fala em não preservar Hamburgo Velho. Cada um tem seu ponto de vista. Precisamos convergir nesse aspecto. E é uma obrigação da Administração encontrar competência para fazer a gestão de seus espaços e de suas políticas”, ressaltou.

O vereador Raul Cassel (PMDB) relembrou momentos pregressos de discussão de melhorias para o bairro. “Fico extasiado com este momento. Em 2005, quando fui incumbido de um primeiro espaço de debate, vi individualismo, interesses particulares e falta de pensamento coletivo. Fico feliz com essa atitude proativa da AME, que oferece uma alternativa viável e dentro dos preceitos das políticas público-privadas. O tombamento tem que ser uma oportunidade, oferecendo vantagens e chances de desenvolvimento de projetos. Precisamos unir nesses espaços a gastronomia, as artes e, ao mesmo tempo, termos uma oportunidade de aprendizado. Tivemos um atraso para colocarmos esses projetos em funcionamento”, recuperou o parlamentar.

Integrante da Frente Parlamentar e da Coedu, Felipe Kuhn Braun (PDT) incentivou outras entidades a procurar a Câmara e suas comissões. “A AME já esteve conosco aqui nesta Casa para debatermos esse tema. Esta é a casa dos debates e, quando falamos da questão das cervejarias, vemos tantas cidades que lucram com o título cervejeiro, como Feliz e Blumenau. E está em voga o tema das cervejarias artesanais. Por que Novo Hamburgo não pode diversificar sua produção industrial? Esse fomento a microcervejarias pode mobilizar. Novo Hamburgo tem potencial para suas diversas vocações, embora tenha se preparado muito pouco para seu turismo e seu patrimônio, o que atrapalha sua exploração”, destacou.

Contrapropostas

A audiência contou com a participação de diversas pessoas ligadas à cena cultural hamburguense. Muitos apresentaram seus questionamentos aos projetos desenvolvidos pela AME. O ativista cultural Alexandre Reis pediu mais realidade. “Sabemos que o bairro tem cada vez mais afastado a comunidade que não é investidora. Acompanhamos quase que uma proposta de compra do bairro. Precisamos pensar na contrapartida para sua comunidade, e não para quem vai ao bairro para consumir. Vejo mais um engessamento cultural. Precisamos englobar a comunidade nesse processo, e não nos atermos a tendências hipsters. Hamburgo Velho não é um parque de diversões e exige muito respeito”, cobrou.

A socióloga Rosana Kirsch pediu mais atenção ao cooperativismo. “Sabemos que o estímulo ao trabalho e emprego é muito importante, mas precisamos ver os locais e o tipo de trabalho que está sendo proposto. Precisamos pensar também no trabalho cooperativo. Em 2010, esta Casa aprovou uma lei para a Economia Solidária. Precisamos lembrar o compromisso da cidade em abordar essas iniciativas”, solicitou. Morador de Hamburgo Velho, Emerson Silva mostrou preocupação com a subutilização dos prédios. “A Fundação Scheffel e a Casa Schmitt-Presser são subutilizadas. Não sei se esse espaço proposto seria realmente utilizado, assim como não vi nenhuma reserva para a Secretaria de Educação”, pontuou.

O ex-secretário de Cultura Carlos Mosmann discordou da proposta da incubadora de cervejarias artesanais e da pretensão de tornar Novo Hamburgo a Capital Nacional da Cerveja Artesanal. “Eu, hamburguense, não tenho esse desejo. E gostaria que isso fosse lembrado. Preferia que fôssemos lembrados como capital nacional da inclusão ou da diversidade. O poder público pode trabalhar, sim, essa questão. Entendam que toda essa economia que movimenta o mundo hoje, que é a tecnologia, não nasceu em Detroit e Manhattan, nasceu na Califórnia, onde se produzia cultura. Entendamos que precisamos investir e dar sustentabilidade à cultura”, argumentou.

Morador do bairro Boa Saúde, Gustavo Oliveira questionou os interesses políticos da AME. “Não vemos em que momento o mercado está influenciando as propostas. Estamos disponibilizando dois prédios históricos para a iniciativa privada sem oferecer serviços essenciais à população. Não sei como a Associação pretende incluir a comunidade em suas atividades. Está claro que a gestão pública não funciona, uma vez que se abre mão da gestão desses espaços para a iniciativa privada ou da sociedade civil organizada”, apontou.

O ambientalista alemão Markus Wilimzig, morador de Novo Hamburgo, pediu a amostragem da planta baixa dos dois prédios para esclarecer a todos o espaço disponível. “Acho que Novo Hamburgo não tem nenhuma história na cerveja artesanal. Talvez daqui a dois, cinco anos, ninguém mais quererá cervejas artesanais. Precisamos pensar em projetos mais duradouros”, estipulou.

O presidente da AME, Volnei Ferrari, agradeceu o espaço para expor os pensamentos e anseios da entidade e de parte da população. “Tivemos vários debates e entraves nos últimos anos quanto a tombamentos, mas não podemos deixar que esse bairro envelheça e se torne em ruínas. Gostaríamos de ver nosso bairro produtivo. Queremos que os moradores que optaram morar ali estejam residindo em um bairro com todas as expectativas que devemos ter. Torço para que cada morador possa viver com segurança e com o lado cultural e do patrimônio histórico de Hamburgo Velho preservado”, revelou.

O artista Paulo Stürmer questionou sobre o acesso a esses possíveis projetos. “Não tenho capacidade para olhar a cidade toda, mas, por ser da classe artística, vejo que não há discussão sobre o empoderamento dos artistas. Precisamos olhar para a pessoa sem pensar no que ela precisa produzir e consumir. Eu vejo uma preocupação com a inclusão de um teatro na Casa Lar da Menina, mas como esse acesso se dará?”, indagou.

A advogada Gabriela Piardi ressaltou a importância do contraste de opiniões para o entendimento dos reais anseios da população. “Ficou bem claro o quanto precisamos abrir espaço para as participações comunitárias, para que não haja esse fosso entre o discurso do poder público e a realidade vivida pela cidade. Precisamos pensar no desenvolvimento local e sustentável e expandi-lo para outros bairros. Precisamos buscar outras alternativas para desenvolvimento humano e não só pensarmos em desenvolvimento econômico”, completou.

Integrante da AME, Maria Ignês Heckler defendeu os projetos apresentados. “Nossa intenção, quando pensamos na incubadora de cervejarias, tinha um viés a partir da experiência da economia solidária, utilizando tudo o que a cidade pode oferecer. Todo o comércio está sendo convidado a participar. Queremos ajudar a todos a se desenvolver. Apenas na rua General Osório, temos mais de 80 estabelecimentos em pleno funcionamento”, contou.

Neri Chilanti, vice-presidente da Associação dos Arquitetos e Engenheiros Civis de Novo Hamburgo (Asaec), destacou as diferentes vocações de uma cidade. “Queremos lembrar aos participantes que as cidades têm uma vocação natural. A nossa é a do calçado. Mas, dentro das cidades, os bairros têm suas vocações. Nós, enquanto Asaec, nos preocupamos com a praticidade e com a melhor utilização dos prédios restaurados”, concluiu.

Foto: Daniele Souza/CMNH