Câmara debate nova proposta de gestão de resíduos em Novo Hamburgo
A idealização do debate surgiu após reunião da Comam com um grupo de catadores no início do mês, em discussão que se estendeu para a sessão ordinária. À época, eles utilizaram a tribuna para manifestar seu descontentamento com a proposta apresentada pela Prefeitura de instalar contêineres coletores de resíduos na área central da cidade, em uma iniciativa de mecanização do processo de coleta.
O presidente da Comam, Enio Brizola (PT), parabenizou a mobilização dos catadores, que compareceram em bom número à audiência, mas lamentou a ausência de representantes do Executivo. Convidado a participar do debate, o secretário de Meio Ambiente, Udo Sarlet, informou que uma agenda de urgência impediu sua presença. “Gostaríamos de contrapor ideias e perspectivas neste debate. Acabou tornando-se um misto de audiência e manifestação. Essa é uma classe muito unida e engajada, que trabalha e que estuda seu trabalho. Vocês têm todo o respeito e apoio dos vereadores desta Casa. Vou levar as propostas levantadas nessa audiência para a Comissão de Meio Ambiente para darmos andamento às demandas dos catadores”, indicou o vereador.
Representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Alex Cardoso destacou o volume crescente de resíduos produzidos nas grandes cidades e o impacto ambiental dos descuidos com a reciclagem. “Quando não encaminhamos os resíduos de forma adequada, destruímos o meio ambiente primeiro com a extração de seus produtos e depois com sua má destinação. O sistema de conteinerização vem dentro de uma ‘moda’, em que se pensa que isso vai limpar a cidade, sendo destinados para as regiões mais abastadas dos municípios. O contêiner é um minilixão e é um dos serviços mais caros da gestão de resíduos, excluindo ainda pessoas que poderiam trabalhar e gerar renda com a coleta. Além disso, a coleta por contêiner custa duas vezes mais que a coleta seletiva”, ressaltou.
Relator da Comam, o vereador Naasom Luciano (PTB) destacou a importância da audiência para o agendamento do debate junto à população hamburguense. “Às vezes não damos, como cidadãos, a devida atenção ao assunto. A coleta seletiva é um processo bem complexo. Mas transformar aquilo que inservível em receita e em material reaproveitado é extraordinário. O Catavida tornou-se um troféu da cidade de Novo Hamburgo. E isso de maneira nenhuma pode morrer, pois se trata de política pública”, completou.
O presidente da Coolabore, uma das duas cooperativas responsáveis pelo serviço de coleta seletiva no município, Paulo Ricardo Bohn, ressaltou que os catadores já apresentaram proposta de ampliação do trabalho. “Queremos avançar o serviço para todo o município. Queremos ser valorizados e termos nosso trabalho reconhecido, e isso também na questão da triagem. Temos relatos muito ruins de catadores de outros municípios quanto à triagem dos resíduos que passam pelos contêineres”, contou. Segundo os catadores, o recolhimento do material descartado nos contêineres é prensado por um caminhão de forma tão compacta que fica difícil sua dissociação.
Moradora de Canoas, cidade que aderiu à conteinerização, Roseli Dias destacou os malefícios trazidos pela iniciativa. “É lamentável a Prefeitura não estar aqui. É um desrespeito com os catadores, com a Casa e com o tema. Está comprovada em diferentes trabalhos a importância da coleta seletiva. Vivemos em Canoas o período de implantação da conteinerização. E foi reconhecido pela Administração como um erro. Os resíduos acabaram se tornando, de fato, lixo. Os caminhões utilizados sequer conseguiam acessar os galpões de reciclagem. Sem contar que os contêineres deixam a cidade feia. Precisamos integrar os catadores à sociedade. A conteinerização é um retrocesso e é muito mais cara”, revelou.
O deputado estadual Tarcísio Zimmermann (PT) pediu autorização para estender o debate à Assembleia Legislativa. “A implantação da conteinerização deve comprovar que apresenta melhoras ambientais e sociais. O processo da gestão dos resíduos é caro para a cidade. Quando implantamos o Catavida, que é motivo de orgulho para todos nós, pensamos também nas economias que teríamos e como poderíamos revertê-las aos trabalhadores. Não é razoável que haja uma explosão no valor da gestão dos resíduos”, opinou.
Representante do Fórum Gaúcho de Economia Popular Solidária, Suziane Gutbier destrinchou o processo de criação do Catavida, que teve seus primeiros passos em 2009. “Era para ser uma política pública, não de governo, porque entendíamos que poderia ter continuidade. Construímos uma alternativa coletiva que não é só ambiental. O sucesso passa também por seu caráter social. Implantamos uma gestão participativa e colaborativa. Hoje, porém, o Catavida é um programa de fachada, no qual seus gestores não discutem o melhor para a cidade. O catador tem conhecimento técnico, capacidade e precisa de remuneração digna”, cobrou.
Dualidade entre conteinerização e coleta seletiva solidária
O catador Alessandro Alves, presidente da Univale, a outra cooperativa contratada pela Prefeitura para a realização do serviço, revelou as tentativas de tratativa com o Executivo. “O contêiner é um fantasma para o catador. Estamos tentando negociar e debater com a Prefeitura, para termos a oportunidade de apresentar nosso discurso e nosso ponto de vista. Nosso contrato está encerrando, e ainda não temos sinalização de renovação. Se fizermos um bom trabalho, poderíamos agregar ainda mais valor com a chegada de novos catadores, porque ainda há muita informalidade”, destacou.
Os vereadores Professor Issur Koch (PP) e Sergio Hanich (PMDB) elogiaram a maciça presença de representantes da classe. “Queremos saber qual o custo para a instalação dos contêineres, e se todos os bairros da nossa cidade serão contemplados. Porque colocar só na área central é uma discriminação com a nossa população”, questionou Serjão. A catadora Juliane Lopes pediu o abandono do projeto de mecanização da coleta. “A prefeita está propondo o desemprego dos catadores e o aumento do valor da gestão dos resíduos. Queremos saber quem vai pagar essa conta”, pontuou.
Ex-funcionário da indústria química, Carlos Roberto Silva destacou a importância da temática da reciclagem. “Em 1999, tivemos uma grande crise do calçado e, por consequência, muito desemprego. Com isso, vimos uma grande oportunidade, que foi a reciclagem. Surgiram diversos estudos, mas nada foi feito, porque não houve vontade política. Deveríamos ter começado tudo isso há 20 anos, com muito mais ênfase”, ressaltou.
A pesquisadora Kellen Pasqualetto relatou dados aferidos em diferentes municípios do Estado. “Há um massacre do capital sobre o trabalho. É uma vergonha perceber que um modelo nacional, como era o Catavida, coloque em desespero os catadores anualmente por não saberem da continuidade de seus contratos, enquanto empresas conseguem acordos de cinco, 10 anos”, completou. A catadora Tássia Rodrigues contou que, por experiências vistas em outras cidades, a conteinerização não trará nenhum benefício. “O material chega de tal forma nos galpões de maneira que não é possível sua reciclagem. Nós seremos impactados com isso. Nossa renda diminuirá. O que eles querem é privatizar todos os serviços. Não querem o catador, mas o serviço gerido por grandes empresas”, concluiu.
Fotos: Daniele Souza/CMNH