50 anos das comunidades terapêuticas no Brasil marcam solene da Câmara

por Maíra Kiefer última modificação 28/06/2019 12h54
27/06/2019 – Com mais de 1,7 mil comunidades terapêuticas no Brasil, essa proposta de recuperação e reinserção social de dependentes químicos chegou ao seu cinquentenário. Por iniciativa do vereador Enio Brizola (PT), a data foi comemorada em sessão solene realizada nesta quinta-feira, dia 27, no Plenário do Legislativo hamburguense. Conduzida pelo presidente da Casa, Raul Cassel (MDB), a mesa foi formada pelo coordenador estadual da Saúde Mental, Luiz Coronel, pelo presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas do Rio Grande do Sul, Roque Serpa, pelo presidente da Igreja Assembleia de Deus, Jurisdição Eclesiástica de Canudos, pastor Jesus Vieira Vilande, pelo bispo do Ministério Filadélfia Regional, Neri Makewitz, e pelo autor da proposta.
50 anos das comunidades terapêuticas no Brasil marcam solene da Câmara

Fotos: Tatiane Lopes/CMNH

Ao ocupar a tribuna, Brizola iniciou sua fala com um ditado: “aqueles que não celebram suas conquistas, talvez não as mereçam”. Ele foi enfático ao dizer que esse marco merecia ser comemorado. “Uma justa e merecida homenagem por esse longo tempo, durante o qual foram comercializados pães, panos de pratos, cucas para manter as casas de acolhimento de portas abertas. A luta não foi somente pela sobrevivência, foi também pelo reconhecimento do método, que a terapia aplicada tinha de fato resultados na recuperação”, sinalizou. Brizola festejou o fato de o Estado e as comunidades, em parceria, ofertarem vagas de acolhimento. “O que seriam das famílias que não têm condições financeiras de auxiliar um parente em sua recuperação?”, indagou o parlamentar. Ele mencionou o marco regulatório e o fórum permanente das comunidades terapêuticas como outras vitórias obtidas recentemente.

A solenidade foi entremeada pelos depoimentos de César Brizola e Luciana Oliveira. César, irmão do vereador e o primeiro a falar, relatou sua trajetória e como o método das comunidades terapêuticas resultou em sua recuperação. Natural de Novo Hamburgo, explicou que as drogas entraram em sua vida já na idade adulta, quando era pai e dividia a casa com a mãe, Albertina Brizola. Em um momento de desespero, tendo sido alertado pelo irmão Enio sobre as consequências de seus atos, foi acolhido por um pastor que o levou à comunidade Desafio Jovens Gideões, de São Sebastião do Caí, na qual se encontra há seis anos. Agora, César, que se prepara para ser técnico em enfermagem, contou que é responsável por ajudar outras famílias a resgatarem suas rotas. “Chorei a morte de um irmão mais velho e de um filho lá dentro”, desabafou, afirmando que se realiza em ajudar o próximo. Ao término de sua exposição, presenteou o seu irmão com a obra O Poder de Deus para Manter-se em Pé, de P. D. Jakes.

Aos 46 anos, Luciana explicou ao público presente que se envolveu com drogas aos 32 anos em função de um relacionamento com um rapaz que era dependente e, ao longo de cinco anos, vivenciou o vício e a violência gerada por ele. Ela foi acolhida pelo Desafio Jovens Gideões Feminino e, em três anos e meio, fez seu tratamento. “Não atravessa a rua ao ver um dependente químico”, aconselhou, frisando que todos precisam de uma chance. 



Na tribuna, Raul Cassel disse questionar-se sobre o que levava as pessoas a terem um trabalho tão bondoso, com índice de sucesso inicial na recuperação em torno de 20%. Sobre o testemunho de César, o presidente afirmou que poderia ser o relato de um irmão ou parente de qualquer um, pois essas situações são vividas por muitas famílias. Baseado em sua experiência como médico, informou que as dependências são inúmeras e muitas delas socialmente aceitas, como o uso de tranquilizantes. Cassel salientou como as ações realizadas por essas instituições, em uma área que o Estado não consegue atingir, preenchem lacunas essenciais. “É um braço social que a saúde não encontra dentro dos entes públicos, é um trabalho que transcende ao Executivo e ao Legislativo”, finalizou.

Por sua vez, Roque Serpa mencionou que várias regiões do Estado estavam sendo representadas pelas inúmeras pessoas que lotaram o plenário da Casa Legislativa. “É um momento de alegria e contentamento. Olhando para a história das comunidades terapêuticas, iniciadas na Califórnia, nos Estados Unidos, vivemos um período muito longo, umas três décadas, procurando batalhar para que o segmento tivesse uma base legal que contemplasse a nossa realidade”, informando que isso mobilizou a federação a se organizar e buscar as normatizações e o devido reconhecimento.

Recuperado da dependência há 26 anos, ele apontou as dificuldades enfrentadas pela comunidade em São Sebastião do Caí, quando não havia energia elétrica e parte das instalações eram de lona. Conforme ele, se essa situação ocorresse hoje haveria interdição em virtude da legislação vigente. Normatização que ele exaltou e enumerou durante seu discurso. Serpa falou sobre os avanços trazidos pela RDC 29/2011, sobre o Marco Regulatório e a Lei Federal n° 13.840, sancionada no início do mês. “Éramos um povo excluído das políticas de Estado. A saúde nos jogava para a assistência social, e essa para o Ministério da Justiça”, lamentou o passado. Ex-vice-prefeito de Novo Hamburgo, Serpa mostrou que as diferentes vertentes de busca pelo resgate dos dependentes químicos devem convergir e se respeitar. “Temos adversários suficientes. Entre nós, devemos dar as mãos”, afirmou.

O psiquiatra Luiz Coronel iniciou sua fala dizendo os motivos que o levaram a escolher sua profissão: para amenizar a dor que a doença causa e ajudar as pessoas. “Os depoimentos que ouvi hoje só justificam os esforços que fazemos”, acrescentou, lembrando que em 2015 assumiu o comando da coordenadoria estadual da Saúde Mental. Ele noticiou que o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado que credenciou as comunidades terapêuticas.



Um quadro destacando os 50 anos das comunidades terapêuticas no Brasil foi entregue por Brizola a Roque Serpa. A solenidade, que deixou o plenário lotado, foi encerrada com música e oração. Acompanhada pelo vereador Nor Boeno (PT), a sessão solene contou com a participação do vice-presidente da Assembleia de Deus de Canudos, Gilberto Jardim, da presidente da Comunidade Terapêutica Cidade de Deus, Jandira Ávila, da presidente do Centro de Atenção Urbana a Dependência Química, Rosângela Scurssel, do vice-presidente da Federação Nacional das Comunidades Terapêuticas do Brasil, Ricardo Valente, do diretor da Comunidade Terapêutica Desafio Jovem Gideões, Sérgio da Silva Ribeiro, da diretora da Comunidade Terapêutica Desafio Jovem Gideões, Maria Madalena Ferreira, do presidente do Desafio Resgate Jovem, Jaques Timm, da diretora da Fazenda Senhor Jesus, Margarida Junges, e da representante da Comunidade Terapêutica Fazenda Renascer, Ângela Quaresma. 

Saiba mais

Câmara homenageará cinquentenário das comunidades terapêuticas no Brasil

A ideia das comunidades terapêuticas teve sua gênese nos Estados Unidos, quando um pequeno grupo de alcoolistas em recuperação decidiu estabelecer um espaço para a busca de um estilo alternativo de vivência. No Brasil, a primeira experiência exclusiva para o tratamento de dependentes surgiu em 1968 em Goiânia. Em 1990, foi fundada a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract), movimento repetido em nível estadual 19 anos mais tarde com a criação da Fecters. Sem fins lucrativos, essas entidades atuam na efetivação de políticas públicas no segmento e no assessoramento às instituições filiadas.

Cobertura fotográfica completa no Flickr.