Reunião entre comissão e órgãos jurídicos reforça debate por consolidação de política de acolhimento ao imigrante

por Luís Francisco Caselani última modificação 17/08/2018 18h59
04/04/2018 – A Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Defesa do Consumidor da Câmara de Novo Hamburgo (Codir) voltou a abordar a temática do acolhimento a imigrantes em reunião extraordinária na manhã desta quarta-feira, 4 de abril. O encontro aproximou Legislativo e órgãos jurídicos federais no intuito de contrapor experiências exitosas, contextualizar situações de conflito e infrações a direitos de haitianos e senegaleses no Vale do Sinos e germinar uma proposta de política pública de acolhimento.
Reunião entre comissão e órgãos jurídicos reforça debate por consolidação de política de acolhimento ao imigrante

Foto: Luís Francisco Caselani/CMNH

A reunião deu continuidade a debate iniciado no final de fevereiro junto a ativistas sociais locais e ao presidente da Associação dos Senegaleses de São Leopoldo e Novo Hamburgo, Massamba Mbengue. A primeira conversa havia aventado a possibilidade de criação de um mecanismo legal que possibilitasse a inserção de imigrantes na sociedade e no mercado de trabalho e o estabelecimento de uma dinâmica para casos futuros. A Comissão de Direitos Humanos começou a formatar a ideia a partir de situações consolidadas em capitais como Porto Alegre, Florianópolis e São Paulo, que já contam com centros de referência de acolhida a imigrantes e refugiados.

O presidente da Codir, Enio Brizola (PT), explicou que a Câmara foi acionada devido a uma série de conflitos ocorridos em 2017, envolvendo o comércio de produtos em passeios públicos. O vereador ressaltou, contudo, que a ideia não é se ater a essa questão, mas garantir uma ferramenta de apoio aos cidadãos de outras nacionalidades. “Temos cerca de 50 imigrantes senegaleses, divididos entre trabalhadores formais e comerciantes informais. São pessoas que possuem o carinho da comunidade. A questão não é permitir ou não a venda de mercadorias. Avaliamos que há a necessidade da ampliação do debate, buscando exemplos de ações que vêm sendo desenvolvidas e atraindo para o diálogo profissionais que possam atuar como mediadores desse processo de apoio ao imigrante”, revelou.

O parlamentar pontuou ainda que a ausência de uma política pública efetiva impede tanto a mensuração dos imigrantes residentes em Novo Hamburgo quanto a qualificação de suas necessidades e a regularização de suas presenças através do Registro Nacional de Estrangeiros (RNE). A socióloga Laura Zacher, servidora da unidade porto-alegrense da Defensoria Pública da União (DPU), relatou situações vivenciadas na Capital e elogiou a atitude de formalização de um fluxo de recebimento em um momento que antecede uma provável chegada de imigrantes venezuelanos.

Segundo ela, a repaginada Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia e a nova Lei de Migração preveem um processo de interiorização do movimento migratório, direcionando pessoas conforme suas aptidões profissionais a regiões do país que sustentam oferta de empregos nas áreas pretendidas. Essa medida, além de dignificar o papel do imigrante, permitiria a descentralização e evitaria o superpovoamento de grandes centros metropolitanos. “Chegamos a um momento de haver menção a ‘tráfico negreiro’, porque eram ônibus lotados de haitianos negros vindos do Acre sendo remetidos a diferentes estados sem qualquer triagem. Muitos não puderam sequer descer dos ônibus em cidades onde já viviam conhecidos e familiares”, contou.

A assessora do Ministério Público Federal Andreia Araújo destacou que a demanda quanto a conflitos envolvendo imigrante ainda é muito incipiente no Município, ao menos no que se refere ao registro das ocorrências. O supervisor do Centro Judiciário de Solução de Conflito e Cidadania (Cejuscon) da Justiça Federal de Novo Hamburgo, Alfredo Fuchs, acrescentou que mesmo em Porto Alegre o órgão correspondente não aponta situações envolvendo estrangeiros, seja como provocadores ou como vítimas. Brizola explicou que os imigrantes ainda não tomaram a iniciativa de procurar as entidades, mas se comprometeu, em nome da comissão, a formalizar um relatório narrando todas as ocorrências, para cientificar oficialmente as instituições. “Um documento enumerando as violações ocorridas auxiliariam na instrumentalização do trabalho de mediação, até para entender onde a atuação é necessária”, complementou.

Laura Zacher explicou que essas situações muitas vezes se constituem em práticas de difícil conciliação, o que acaba levando tudo à judicialização. “Precisamos pensar em todo trajeto migratório. Nosso trabalho hoje foca muito na reunião familiar. Mas o primeiro passo tem que ser sempre a regularização migratória. Entendo que Novo Hamburgo deveria aderir o quanto antes à Política Nacional de Migrações”, reforçou. O jornalista Alex Glaser, que, assim como a advogada Gabriela Piardi, participou da atividade enquanto militante da área, apresentou uma situação enfrentada por senegaleses junto a funcionários da Trensurb, que teriam impedido o acesso aos vagões com malas portando mercadorias em razão do horário. Ele explicou que muitos imigrantes costumam ir a outras cidades para poder atuar com seu comércio. “São Leopoldo cobra uma taxa semestral e permite a venda de produtos em alguns pontos da avenida Independência”, informou.

Os advogados Jorge Tatim e Miguel Vitória, representantes da subseção Novo Hamburgo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/NH), corroboraram o pedido pela realização do levantamento das violações e reforçaram a importância dos registros de ocorrência. “Levaremos essa questão à diretoria da OAB/NH, mas pensamos na realização de eventos, com caráter até mais acadêmico, para ampliarmos esse debate e compartilharmos situações. Uma atividade mais informativa, até antes da realização de uma audiência pública. Novo Hamburgo enfrenta hoje um conflito de visões dentro da própria sociedade quanto a esses imigrantes”, ressaltou Tatim, presidente da Comissão Especial dos Direitos Humanos da subseção.

Brizola concordou com a ideia da realização de um seminário instrutivo prévio. “Ainda estamos tateando essa questão, porque é um assunto novo. Entendo também a audiência pública como um mecanismo mais adiantado, quando for a hora de instrumentar, de fato, uma política pública. Queremos formatar, em uma próxima reunião, uma proposta já em parceria com o Executivo. Tenho a sensação, por ora, que só avançaremos se conseguirmos formar consciência junto à sociedade civil”, concluiu.

O que são as comissões?

A Câmara conta com oito comissões permanentes, cada uma composta por três vereadores. Essas comissões analisam as proposições que tramitam pelo Legislativo. Também promovem estudos, pesquisas e investigações sobre temas de interesse público. A Lei Orgânica Municipal assegura aos representantes de entidades da sociedade civil o direito de participar das reuniões das comissões da Casa, podendo questionar seus integrantes. A Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Defesa do Consumidor se reúne semanalmente às segundas-feiras, a partir das 15h30, na sala Sandra Hack, no quarto andar do Palácio 5 de Abril.