Projeto Cidade (In)visível enaltece a preservação do patrimônio e da identidade de Novo Hamburgo

por Daniele Silva última modificação 30/04/2021 22h41
30/04/2021 – Preservar a memória e buscar aprender com os erros e acertos do passado. Essa foi a tônica do debate que encerrou o primeiro ciclo de lives do projeto Cidade (In)visível: Cultura, Patrimônio e Identidade. No encontro, transmitido pela TV Câmara e pelo canal da emissora legislativa no Youtube, o presidente da Associação dos Procuradores do Município (APMNH), Bruno Brinker, o publicitário e historiador Daniel Luciano e o arquiteto e urbanista Jorge Luis Stocker, trouxeram reflexões sobre a relação do patrimônio histórico com a construção da identidade de Novo Hamburgo. Abordaram também as questões legais que envolvem os imóveis e bens imateriais tombados pelo poder público.
Projeto Cidade (In)visível enaltece a preservação do patrimônio e da identidade de Novo Hamburgo

Max Milan/acervo

O projeto, idealizado pela Escola do Legislativo em parceria com a Associação dos Procuradores do Município (APMNH) e a OAB Subseção Novo Hamburgo, integra uma série de ações realizadas pela Câmara e outras entidades para pensar os 100 anos de Novo Hamburgo, que serão comemorados em 5 de abril de 2027. A diretora da escola, Maria Carolina Hagen, falou sobre a continuidade das discussões, a partir de temáticas sugeridas não só pelos integrantes das instituições parceiras, mas pelos cidadãos. “A ideia é compartilhar e discutir assuntos que contribuam com a proposição de ações vislumbrando a cidade que queremos no futuro”, ressaltou. A partir de maio, os encontros deverão ocorrer mensalmente.

 

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Representando a APMNH, o advogado Bruno Brinker vê a Constituição de 1988 como um instrumento bastante avançado na tutela e preservação do patrimônio por parte da União, estados e municípios. “Antes, a atuação se dava por meio de decretos e havia uma limitação apenas a imóveis. As culturas e os bens imateriais, que hoje são considerados, passavam despercebidos.” O artigo 216, conforme lembrou, traz a relação entre o patrimônio cultural e a identidade e memória dos diferentes grupos da sociedade brasileira. Ele explicou que os bens podem ser tutelados por meio de inventários e tombamentos, consistindo esses em atos da administração. Judicialmente, podem ocorrer também desapropriações de imóveis considerados de interesse público.

Para além das questões legais, Bruno ressaltou a importância da participação popular no processo. “A identidade faz com que o cidadão sinta que é parte desse patrimônio e tenha vontade de preservá-lo. Para que a comunidade se aproprie é necessário que o estado desenvolva ações e atividades nesse sentido.”

Como exemplo de construção de identidade, citou a definição do símbolo da APMNH. “O Monumento ao Sapateiro foi escolhido com a intenção de fazer uma referência à história da cidade. É um exemplo bastante simples, mas através desta escolha mesmo os procuradores que não são nascidos aqui buscaram saber mais sobre o contexto histórico no qual Flávio Scholles criou a obra.”

Mestre em Processos e Manifestações Culturais, pela Universidade Feevale, Daniel Luciano falou sobre a relação entre história e fotografia apresentada em sua pesquisa “Novo Hamburgo Velho: identidade e modernidade nas fotografias de Max Milan.”

Citando Edmund Burke, o publicitário enfatizou a importância de se conhecer a história, para aprender com os erros e repetir os acertos daqueles que vieram antes de nós. “Um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”. Ao longo do curso, conforme mencionou, buscava uma forma de aliar o gosto pela fotografia com seus estudos. “Conversando com o Ângelo (curador da Fundação Scheffel) ele contou sobre as fotos do Max Milan. O fotógrafo registrou Novo Hamburgo em 1926 e não havia referência acadêmica sobre ele. Depois, percebi que já tinha visto algumas imagens nos jornais sem o crédito do autor.”

Por meio das imagens, resgatou a identidade de uma Novo Hamburgo voltada à modernidade e ao progresso. Fatores fundamentais para emancipação do antigo distrito em 1927. “Tudo que lia sobre Novo Hamburgo pode ser lido também nas fotografias de Max Milan. Enquanto a região ainda era bastante rural, a província já mostrava sua vocação para a indústria e o comércio. E esse embate entre o urbano e o rural foi fundamental para iniciar o processo de emancipação da cidade.”

Apesar do grande acervo, o pesquisador lamentou as condições de preservação das imagens, disponíveis no museu de São Leopoldo. “Não respeitamos nossa história sem zelo à fotografia e aos documentos.” Por fim, apresentou a capa da edição do jornal O 5 de Abril comemorativa ao primeiro ano de emancipação do município. “O impresso serviu como uma prestação de contas, mostrando o compromisso dos emancipacionistas com o desenvolvimento local.” Para o pesquisador, entre legado e fardo o posicionamento à frente do seu tempo é o que devemos reencontrar hoje no município.

Jorge Stocker iniciou sua fala respondendo à provocação que deu nome ao terceiro encontro: “Patrimônio e Identidade: legado ou fardo?” Em primeiro lugar, segundo o especialista, é preciso desmistificar o conceito de patrimônio, que carrega uma série de conflitos e ranços. “Patrimônio não é algo saudosista, uma apologia ao passado. Ele é resultado de como o encaramos no presente para projetarmos ou não para o futuro, ressignificando símbolos às próximas gerações.”

Stocker ressaltou também a importância da Constituição na ampliação da ideia de patrimônio como um conjunto de bens, paisagens, processos e práticas importantes de serem preservados. “A Casa Casa Schmitt-Presser, por exemplo, não é apenas um imóvel. Tem todo um significado enquanto embrião do desenvolvimento da cidade.” Segundo ele, há uma camada de sentidos que precisam ser narrados. Por isso a relevância da pesquisa. “Como mostra o trabalho do Daniel, o contexto histórico e político da época em que foram registradas as imagens nos ajudam a compreender uma época. E também a ver que os bens foram construídos com outra finalidade, depois se tornaram patrimônio.”

Questionado sobre como a população, especialmente a que não está no centro da cidade, pode se conectar com o território por meio do legado histórico, o arquiteto enfatizou a manutenção de vínculos com a paisagem e processos culturais de cada localidade. “Muita vezes a busca com passado remoto nos desconecta com o passado mais recente. Em Novo Hamburgo houve um importante período de industrialização no final do século XX e há poucas pesquisas sobre isso. Precisamos também de mais pesquisas arqueológicas para resgatar a trajetória dos povos indígenas, que já estava aqui antes da chegada do homem europeu.”

 

 Corredor cultural

Em março de 2019, a Secretaria Estadual de Cultura arquivou o processo de tombamento do Corredor Cultural de Novo Hamburgo. A área, que vai da Praça 20 de Setembro e segue pela rua General Osório, abrange 270 lotes e 80 imóveis. Conforme o procurador do Município, a administração busca uma solução jurídica e econômica para contemplar a preservação desses bens, mas há um limite financeiro. “Imaginávamos que seria confirmado pelo Estado, mas eles alegam falta de pessoal e de orçamento para concluir o processo. É também competência do município, mas é bastante complexo de ser feito, especialmente no contexto atual.”

Segundo o advogado, hoje, sem o apoio estadual, apenas as limitações impostas pelo Plano Diretor garantem alguma preservação. Além disso, algumas incorporadoras entraram na Justiça para poderem executar empreendimentos no local.  Em função disso, destacou o engajamento da sociedade e a conjugação de esforços entre os entes federados para preservar o local. “Quando se tomba um imóvel de forma individual há todo um entorno que precisa ser preservado. O complexo serve para delimitar melhor esse entorno.”

 

Próximos encontros

O projeto Cidade (In)visível tem por objetivo mostrar a produção cultural, herança arquitetônica e memórias da formação do Município. Além de dar visibilidade às histórias e personalidades que compõem a identidade de Novo Hamburgo, o projeto pretende trazer ideias e perspectivas para se pensar a cidade que queremos no futuro. A iniciativa também marcou a apresentação do selo comemorativo Novo Hamburgo Rumo aos 100 e do site, produzido pela Gerência de Comunicação da Casa, com conteúdo histórico sobre a cidade.

A Escola do Legislativo convida a todos que quiserem contribuir na elaboração de novas pautas. A partir desse primeiro ciclo, as lives serão realizadas mensalmente, incluindo temas como a importância dos trabalhadores no desenvolvimento econômico, o associativismo negro em Novo Hamburgo, a construção de espaços públicos e de uma cidade voltada aos cidadãos, cultura e redes colaborativas, entre outros. Dúvidas e sugestões podem ser encaminhas para escoladolegislativo@camaranh.rs.gov.br. Todos os bate-papos estão disponíveis no canal da TV Câmara no Youtube.