Presidente da Apac de Novo Hamburgo explica pleito por espaço na cidade

por Luís Francisco Caselani última modificação 08/10/2019 12h14
07/10/2019 – No início de setembro, moradores do bairro Canudos receberam a informação de que o Governo do Estado estudava a transformação do prédio que hoje abriga o Colégio Engenheiro Ignácio Christiano Plangg em sede para unidade da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac). A convite do vereador Enio Brizola (PT), a presidente da Apac de Novo Hamburgo, Lisandra Müller, ocupou a tribuna na sessão desta segunda-feira, 7, para explicar como se desenrolaram as tratativas. Ela afirmou que a ideia de ocupar um prédio escolar já foi descartada, mas a instituição ainda trabalha pela conquista de um espaço adequado.
Presidente da Apac de Novo Hamburgo explica pleito por espaço na cidade

Foto: Tatiane Lopes/CMNH

A partir do momento que a notícia começou a circular no bairro, a comunidade logo se posicionou contrária à proposta. A principal justificativa residia justamente no fechamento de uma escola para o recebimento de um estabelecimento prisional. Lisandra contou que a sugestão de utilização do prédio público partiu de uma análise da realidade da rede estadual de ensino. Segundo ela, a ação foi pautada por uma coletânea de notícias sobre o fechamento de turmas e escolas em todo o Rio Grande do Sul, em razão da redução do número de alunos matriculados

Dois fatores contribuem: a queda da taxa de natalidade e a ampliação da oferta do ensino fundamental nas escolas municipais. Temos três escolas próximas definhando porque têm capacidade para mil alunos, mas recebem verba considerando apenas metade disso. Fizemos uma proposta de unificação de escolas para melhor aproveitamento desses prédios”, relatou a presidente, que ainda elencou os critérios que os fizeram indicar a Ignácio Plangg.

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A Apac de Novo Hamburgo entendia ser um local muito apropriado para atender aqueles que são os destinatários de seu trabalho: os recuperandos e seus familiares. O Governo do Estado terá que enfrentar o problema da disparidade entre a oferta e a demanda na rede estadual. A sugestão apresentada foi apenas de adiantar esse enfrentamento com a possibilidade de utilização do prédio para solucionar outro problema urgente, que é a falta de vagas no sistema prisional”, complementou Lisandra.

Apac

A metodologia adotada pelas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados busca a reintegração social dos apenados de forma humanizada e com autodisciplina. Seu propósito é evitar a reincidência no crime e oferecer caminhos alternativos. Nelas, os próprios presos tornam-se corresponsáveis por sua recuperação. Para isso, contam também com assistência espiritual, jurídica, médica e psicológica, prestadas pela comunidade. Conforme a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o método Apac reduz custos, possibilita menor emprego de efetivo e representa média de reincidência inferior ao modelo tradicional.

Antes da fala de Lisandra, o coordenador do Núcleo de Fiscalização Prisional do Ministério Público, Gilmar Bortolotto, abriu o debate destacando os benefícios da adoção do método Apac para a sociedade brasileira. “Este é um projeto que pode contribuir para que a paz social seja mais efetiva em cada comunidade. Nosso desafio talvez seja vencer o primeiro impulso e pensar o que podemos fazer para que a experiência do crime não se repita”, sinalizou.

Conforme Bortolotto, o sistema carcerário é um dos serviços públicos mais atrasados do País, gerando presídios comandando por facções. “Elas se organizam para receber os presos que ingressam. Quanto mais superlotado o presídio, mais aumenta o domínio da criminalidade. O atraso e a deterioração dos estabelecimentos penais acabou produzindo espaços utilizados para cooptar mão de obra. Hoje, 71,4% dos presos que passam pelo sistema carcerário têm dois destinos: a morte ou o retorno ao presídio”, apontou.

Em resposta a manifestação no plenário, o procurador de justiça lembrou que a Constituição não permite a pena de morte. “Temos que tentar qualificar o que já existe. Precisamos fazer algo para que o índice de reencarceramento não siga aumentando. Sempre penso a Apac no contexto de segurança pública. Ela não mudará em nada a execução da pena, pois também é uma cadeia. O que muda é o que se faz dentro dela”, acrescentou.

Bortolotto revelou que o Brasil conta hoje com 51 estabelecimentos da Apac, sendo 44 apenas em Minas Gerais. “Em Porto Alegre, em um projeto interinstitucional entre os poderes, completaremos um ano da primeira experiência. Temos 30 presos, todos com penas altas, a partir de 15 anos. A resposta está sendo muita boa e por um custo muito mais baixo. O Rio Grande do Sul, em média, gasta em torno de R$ 2,6 mil mensais por preso. Na Apac, o custo cai pela metade”, destacou. O número que mais chama a atenção do procurador, contudo, é o índice de reincidência no crime, que cai para 20%.

Este projeto é para funcionar paralelamente ao modelo convencional. É uma metodologia baseada no trabalho, na educação, na espiritualidade e na valorização humana. Quem está sendo favorecido não é o preso, mas os cidadãos em liberdade, que não precisarão encarar esse sujeito com um revólver na mão”, ilustrou Bortolotto, que lembra que o Estado tem quase 10 mil condenados fora da cadeia por falta de vagas em instituições penitenciárias.

O juiz da Vara de Execuções Criminais Regional de Novo Hamburgo, Carlos Fernando Noschang Júnior, reiterou que o Estado tem muito a ganhar com essa nova filosofia. “Aquele condenado que hoje cumpre pena voltará para as ruas. Se ele retornar cooptado pelas facções, será mais impiedoso e violento. A realização de uma nova abordagem, tratando e recuperando o apenado, trazendo a família para perto, representa uma arma a menos na rua. Não temos nenhum êxito na forma como o preso é tratado hoje. Precisamos buscar a mudança de filosofia no tratamento do apenado. Somente com isso ele vai efetivamente atingir a ressocialização”, indicou.

Enio Brizola defendeu o modelo da Apac, mas rejeitou a ideia de utilização de um espaço escolar para o recebimento de uma unidade. “É um método que apresenta uma alternativa para uma verdadeira recuperação dos apenados no nosso Estado e no nosso País. A comunidade não recebeu bem a ideia porque a escola Ignácio Plangg é muito importante para o bairro Canudos, mesmo que se tenha diminuído o número de alunos. Nunca poderei concordar com o fechamento de uma escola, seja pela finalidade que for. Acho que temos outras possibilidades na cidade que não seja o encerramento de atividades escolares”, pontuou.

A vereadora Patricia Beck (PP) lembrou ainda a existência de lei municipal que proíbe a instalação de presídios ou similares no perímetro urbano. “A página da escola já está virada. Devemos trabalhar agora a consciência de que precisamos pensar em segurança pública, e essa alternativa está se mostrando extremamente viável. Precisamos pensar em uma Apac dentro da nossa cidade”, concordou. O presidente da Comissão de Educação da Câmara, Felipe Kuhn Braun (PDT), reconheceu a importância da iniciativa, mas questionou se foi dialogada a possibilidade de outros espaços.

Se a Secretaria de Educação do Estado quisesse proceder o remanejamento de alunos, tínhamos interesse no prédio, que nos seria bastante útil. Mas estamos em contato com o Governo do Estado e a Prefeitura buscando outras possibilidades”, revelou Lisandra. O vereador Cristiano Coller (Rede) perguntou como é efetuada a seleção dos apenados para a Apac. Bortolotto explicou que a oportunidade é direcionada a quem manifesta interesse. “Os presos que vão para a Apac têm 90 dias de adaptação. Se ele não se adaptar, ele volta para o sistema comum. É a única maneira de descobrirmos quem quer ficar no crime e quem não quer. Monitoramos a experiência para se fazer com segurança”, esclareceu o procurador, que afirmou ainda que a adesão à Apac não potencializa qualquer redução da pena.

Vladi Lourenço (PP) elogiou o projeto e perguntou sobre a criação de novos espaços. “No governo anterior, houve o impulso inicial, com a assinatura do convênio que manifesta intenções. A proposta do novo mandato é de fazer, pelo menos, cinco Apacs ao longo dos quatro anos. Estamos procurando direcionar para comunidades mais fortalecidas, como Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Santa Cruz do Sul e Santa Maria. Em Porto Alegre, estamos constituindo também a feminina”, antecipou Bortolotto.

O juiz Noschang lembrou que a medida vale apenas para pessoas condenadas a penas em regime fechado e lamentou a inexistência de uma unidade para esses presidiários em Novo Hamburgo. “Uma cidade desse porte não ter um presídio de regime fechado acaba fazendo com que a cooptação pelas facções seja facilitada, muito pelo distanciamento das famílias, o que deixa os presos mais vulneráveis”, afirmou.

O presidente da Câmara, Raul Cassel (MDB), entende que, assim como cuidam de estudantes e pessoas enfermas, as cidades devem se responsabilizar por seus presos. “Essa é uma proposta nova que tem que prosperar, porque está mostrando resultado. Cada cidade deve pensar em ter a sua Apac”, ressaltou o parlamentar. Sergio Hanich (MDB) indagou sobre a possibilidade de estabelecer uma unidade da Apac onde hoje funciona o Instituto Penal de Novo Hamburgo.

Tem como usar a estrutura, mas teria que remover os presos. Não se trabalha com pessoas que cumprem pena em regime semiaberto. Essa é uma condição. Mas não há discriminação por tempo de pena, embora quem está há mais tempo entenda melhor os benefícios dessa oportunidade”, respondeu Bortolotto, que estimou que o método Apac possa absorver futuramente até 25% da população carcerária gaúcha. “Mas nada funcionará em um presídio se não houver a mudança de lógica do preso”, finalizou o procurador.

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