Sessão especial celebra bicentenário da imigração alemã no centro histórico que originou Novo Hamburgo

por Maíra Kiefer última modificação 02/07/2024 20h48
1º/07/2024 – Nas proximidades da área na qual se estabeleceu a primeira família germânica a construir sua história em solo hamburguense, os integrantes da 18ª Legislatura celebraram na noite desta segunda-feira, 1º, os 200 anos da imigração alemã no Brasil. O espaço escolhido para sediar a sessão especial é uma das construções mais emblemáticas do Centro Histórico de Hamburgo Velho e a primeira a ser restaurada na cidade. A sede da Fundação Ernesto Frederico Scheffel, construída em 1890 por Adão Adolfo Schmitt, foi a protagonista das comemorações desta noite não só por ser o principal museu da cidade e congregar a obra do artista que lhe dá nome, mas por ter sido cenário importante da trajetória de um pequeno povoado até sua consagração como município.

Nesse espaço que celebra a cultura e a arte, os parlamentares exaltaram as conquistas dos imigrantes que desembarcaram no Rio do Sinos, no dia 25 de julho de 1824, após navegarem pelo Atlântico, aportarem em Rio Grande e seguirem por afluentes que os trariam até São Leopoldo. Ao reconstruir em sua fala essa jornada, o presidente da Câmara, Gerson Peteffi (MDB), perguntou aos presentes como seria voltar ao tempo e ver diante dos olhos aquele local ainda inabitado e repleto de desafios a serem enfrentados. As dificuldades de ontem e da atualidade, como as ocorridas recentemente devido às enchentes, foram enumeradas em seu discurso, que exaltou, sobretudo, a resiliência e a capacidade física, mental e espiritual da qual dispunham e ainda dispõem os pioneiros e também seus descendentes.

"Nós vivenciamos na nossa região e em nossa cidade uma catástrofe muito grande. Estamos todos muito marcados e vai levar bastante tempo para que nos recuperemos. Respeitando as nossas mazelas e nossas feridas, que ainda vão cicatrizar, hoje é um momento de celebração da cultura alemã, dos nossos antepassados, das pessoas que nos deixaram esse caminho aberto através de picadas, de morros e montanhas para sair lá da sua Alemanha e vir buscar aqui o seu destino e um lugar melhor, que para eles era desconhecido. Nós, hoje, somos os beneficiados”, finalizou Peteffi.

Grato pelo fato de a Fundação Scheffel ter sido escolhida como palco da primeira sessão do parlamento sediada em Hamburgo Velho, o curador do museu, Angelo Reinheimer, afirmou que não poderia dar outra resposta senão positiva ao questionamento do presidente da Câmara sobre a viabilidade de realização dessa plenária especial no espaço consagrado a manifestações artísticas. Ao se pronunciar, explicou que o prédio, antes de preservar a memória e o trabalho de Scheffel, foi utilizado como residência, salão de baile, hospedaria, espaço dos primeiros concertos do Coro Júlio Kunz, hospital durante a epidemia de gripe espanhola e também um colégio. Scheffel frequentou as classes da escola estadual Antônio Vieira. Essa experiência e o encantamento com o local fizeram o artista plástico planejar um novo uso para a edificação de estilo neoclássico do século XIX.

Reinheimer lembrou aos presentes que justamente nas comemorações do centenário da imigração alemã que o distrito de Novo Hamburgo conseguiria, por meio da articulação de personalidades políticas, amarrar o futuro da emancipação, que três anos depois se concretizaria. Em 1924, conforme o curador, uma grande feira agroindustrial foi realizada no local onde mais adiante seria feita a Praça 20 de setembro. Ele relatou que, na ocasião, o presidente do estado do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, ao visitar o evento se certificou que Novo Hamburgo tinha condições de ser município. Meio século depois, a mesma celebração traria novos frutos à cidade, com a participação de Scheffel em uma retrospectiva que resultaria na criação da Fundação, não só do acervo pictórico, mas da preservação da Casa Schmitt-Presser, construída três anos após o desembarque dos primeiros imigrantes.

Das mãos de Peteffi, Ângelo recebeu um certificado de agradecimento à Fundação Scheffel por abrir suas portas para as deliberações dos vereadores e o início das comemorações que marcam os 200 anos da imigração alemã.

Pronunciamentos

O vereador e historiador Felipe Kuhn Braun (PSDB) apontou que a travessia ao novo continente ocorreu porque na Europa a situação era difícil e parte de sua população não era mais desejada em sua própria terra, sendo a emigração uma necessidade para os 39 alemães que aqui construíram suas vidas. Na terceira leva de viajantes, a família Mentz ganhou uma área de terra em Hamburgo Velho no lote 1, no qual se encontra há cem anos o Monumento ao Imigrante a menos de um quilômetro da Fundação Scheffel. O parlamentar falou ainda sobre a pluralidade de Novo Hamburgo, que carrega em seu nome seu vínculo com Hamburgo, no norte da Alemanha, mas que é formado desde o princípio por muitos povos e etnias. Natural da cidade vizinha de Campo Bom, Ernesto Frederico Scheffel é exemplo de uma pessoa que acreditou no potencial hamburguense, no estado e no país, deixando a Itália, após consagrar-se como artista plástico e retornar às suas origens.

Em sua exposição, Gustavo Finck (PP), em nome de Cristiano Coller (PP) e de Lourdes Valim (Republicanos), deixou uma saudação a Angelo Reinheimer pelo trabalho desenvolvido na promoção da memória de Scheffel e pela preservação da cultura da cidade, enaltecendo a escolha do local e a importância de a população sempre lembrar os feitos históricos dos pioneiros.

Diante de Lia Scheffel Kirch, irmã do pintor que nomeia a fundação, o vereador Inspetor Luz (PP) reforçou o quanto foi feliz a escolha da Mesa Diretora pelo local. O parlamentar falou sobre os principais pontos da trajetória do artista plástico, desde a infância, quando aos oito anos muda-se com sua família de Campo Bom a Hamburgo Velho, até idade adulta, quando aprofunda sua formação artística no Rio de Janeiro, após conseguir bolsa de estudos. A transferência para uma longa temporada em Florença, na Itália, e seu retorno, culminando com a realização de um sonho em 1978, quando suas obras encontram um lar permanente e podem ser contempladas pela população.

Para o vereador Ito Luciano (Podemos), os integrantes dessa legislatura vão carregar consigo, com orgulho, as lembranças desse fato inédito, a celebração da vinda dos alemães há dois séculos em uma sessão especial nas imediações da localidade onde a história da cidade se iniciou. Assim como Luz, elencou os feitos do principal representante da arte pictórica da região e do Rio Grande do Sul.

Fruto dos conhecimentos trazidos pelos colonos, as atividades econômicas desenvolvidas no Vale do Sinos são reflexo da origem germânica, mencionou Raizer Ferreira (PSDB). O desenvolvimento da agricultura familiar, das primeiras cooperativas, da indústria nas áreas da tecelagem, calçado, alimentos, para ele, foram fundamentais para a região ser referência econômica no país. Contudo, o parlamentar não esqueceu de mencionar a importância do legado cultural, representado ali pelo acervo de telas, desenhos e pela própria edificação, obra de um imigrante, escolhida como cenário da homenagem.

Ricardo Ritter – Ica (MDB) trouxe sua própria história a público, relatando ser descendente do primeiro cervejeiro da região. O espaço que abrigava a produção da bebida hoje é uma casa de cultura em Linha Nova, segundo o parlamentar. A cultura e os princípios germânicos foram-lhe repassados por seus avós, assim como a persistência que marca o povo alemão. Para ele, a tenacidade característica por vezes se traveste de teimosia.

Após as falas de boa parte dos parlamentares e da votação das matérias da ordem do dia, a Camerata Hamburgo, regida por Líris Neumann, apresentou três músicas de compositores alemães, finalizando com Jesus bleibet meine freunde, de Johann Sebastian Bach. A Fundação Scheffel voltava assim a ecoar mais uma vez a língua e a cultura do povo que a construiu. 

Fundação Scheffel

Situada na avenida General Daltro Filho, 911, a Fundação Ernesto Frederico Scheffel recebe pela primeira vez uma sessão especial da Câmara. O espaço escolhido para acolher vereadores e cidadãos é o auditório Adão Adolfo Schmitt, notório palco de apresentações e recitais adornado por obras como Caramurú-GuaçúO despertar da adolescênciaRixa gaúcha e o grande óleo sobre tela Hecatombe.

Localizado no segundo andar da pinacoteca, o salão presta homenagem póstuma ao agrimensor responsável pela construção do prédio, ainda em 1890. Encanto de Scheffel desde sua infância, o casarão de características neoclássicas, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi oferecido ao artista plástico na década de 1970 para receber seu acervo. Recuperado pelo arquiteto Nelson Souza, o museu de arte foi inaugurado em 5 de novembro de 1978, reunindo mais de 350 obras, entre pinturas, desenhos e esculturas.

Imigração alemã

Além da atividade especial em Hamburgo Velho, berço da colonização germânica na cidade, a data também será celebrada pela Câmara em sessão solene agendada para o dia 18, desta vez no próprio Plenário do Legislativo. A homenagem, proposta pelos vereadores Felipe Kuhn Braun (PSDB), Gerson Peteffi (MDB) e Gustavo Finck (PP), foi aprovada pelos demais parlamentares ainda no mês de fevereiro.